sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Não sou tanto

"Quem lhe disse que eu era
Riso sempre e nunca pranto?
Como se fosse a primavera
Não sou tanto
(...)

De que calada maneira
Você chega assim sorrindo
Como se fosse a primavera
Eu morrendo
Eu morrendo"


[  como se fosse a primavera - Pablo Milanés/Nicolas Guillén/Chico Buarque ]

É fácil colocar a culpa em você. Todos os meus amores mal resolvidos, todas as vezes que amei demais, as vezes que amei de menos, as crises de ciúme, os ímpetos de arrogância, os momentos que sobrepus minha opinião. É tudo culpa sua. Quem puxa aos seus não degenera. Entretanto eu teria que dizer que também és culpado por eu ter lido Feliz Ano Velho e até por eu gostar de ler. Eu ser é culpa sua, integralmente.1a5774b4ecf5127f27f15002ea085c7ec97e3c5e_m

Eu queria falar bonito e com classe, pois eu te via sempre tão desenvolto e cavalheiro, fumando um cigarro forte, tua postura me parecia tão bonita e transparecia uma segurança que poucas vezes na vida eu sentiria novamente. Era por isso que eu segurava tua mão forte e sentia medo de te perder.

Via em nós uma cumplicidade sem igual, definida a outros olhos como inabalável. Parecia que me entendias sem que eu precisasse falar e por isso, calei muito. Permaneci muda uma vida toda acreditando que há o que não precisa ser dito. Eu não verbalizava que te amava para que soubesses. Não, no meu mundo perfeito, não era necessário. Contudo, era.

Discutimos tão poucas vezes e até que houvesse de fato um desentendimento, tudo parecia sereno e compreensível. Até o dia que explodi, causei um caos e um abismo que outrora, veríamos que era irreparável já que era fruto de sementes tuas. Antes disso, houve noites em que dormi com teu cafuné, sentindo mansamente em mim tua mão de dedos longos e magros subindo e descendo meu pescoço.

Existiu também teu apartamento abarrotado de livros, de muitos livros e muita poeira. Teu cantinho era fascinação para todos os meus sentidos. O barulho da porta do banheiro emperrada me lembrava que tu estavas ali, ao meu redor, bem perto de onde eu estivesse. Porque zeloso era teu nome e eu acreditava que minha presença era tua alma. Minha existência era afirmação de tua continuidade, eu te afirmava.

Foram precisos muitos anos para que eu percebesse que não era nada disso e sentisse pena de ti sem que nascesse nenhum sentimento de compaixão. Já então eu me desgastava com o som da tua voz sempre tão gaguejada e pausada e complacente com uma vida triste, cheia de livros e com muita poeira.

Até hoje preciso resgatar qualquer coisa, em qualquer homem, como aquele amor que eu acreditava que me dedicavas. Eu não traio as expectativas de Freud. Jogo-me nos braços de pessoas erradas já que elas repetem elogios parecidos com os que me fazias e eu preciso deles (dos elogios). Enxovalhaste a mim e ao amor que eu tinha por ti, classificaste-me como escumalha e então eu soube, por meio das tuas letras e frases e rancor que eu nunca fui como querias que eu fosse ou como deveria ser.

Eu preciso que cuidem de mim sem que me sufoquem. Eu preciso também que digam que me amam e se eu ando numa de carência e ansiedade demasiada é porque não sabes avaliar que há amor acima de tudo. Eu sei. Eu que sou mais nova, que passei por cima do teu gênio difícil e dos maus humores, sei. Eu - a complicada, a adicta, a orgulhosa, a (sempre) errada - sei.

Ainda vou entender que é essa tua natureza. Mas enquanto não resolver isso comigo, tua ausência durante toda a minha vida e a parte de mim que é tua e tu desconheces, dói, pai.

Dói não ter um pai. Deveria doer mais em ti ser não ser esse pai.

1 comentários:

douglas D. disse...

...

23 de janeiro de 2009 às 10:19

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