Dia da verdade

Por Alice

Decidi que hoje é o dia da verdade. Institucionalizei, circulei no calendário com caneta marca texto e repeti três vezes em frente ao espelho. Hoje é dia da verdade. No dia primeiro de abril todo mundo sai por aí contando umas mentiras idiotas e porcas achando que é a coisa mais legal do mundo e pior, essas mesmas pessoas passam esse mesmo dia perguntando umas às outras se já "caíram" em alguma balela. Pois bem, hoje verei se esses mesmos espertões gostam da verdade, de verdade.


Vou começar dizendo para essa senhora aqui do trabalho que ela precisa parar de entrar na sala dez vezes por dia para usar o telefone, até mesmo porque esse telefone não é para que ela saiba se a filha dela já comprou o xampu e se vai ter carne assada com batatas para o almoço. O telefone, assim como o ambiente todo , é para fins comerciais. Chega de ligações, minha senhora, chega! Saia da minha sala e vá direto numa farmácia comprar uma tintura para esse seu cabelo medonho. Mas escolha uma cor e fique com ela até mês que vem, porque se apareceres aqui segunda-feira com o cabelo numa outra tonalidade como toda semana acontece, eu juro que perco a cabeça.


Quem aquele garoto pensa que é para passar ao meu lado e não falar comigo? Vem cá, moleque, tenho umas coisas para te contar. Primeiro que o sexo contigo era uma porcaria És um brocha. Ah, pensa que eu me esqueci disso foi? Não só não esqueci que és um brocha, como lembro direitinho quando me achaste a mais puta porque te pedi uns tapinhas na cama. Ah, fala sério, cara. Devias ter tido um súbito acesso de verdade como estou tendo agora e ter me contado que queres uma frígida sem sal na cama. Faz um favor para mim, faz? Não deixa só de falar comigo, não. Muda de lado quando me avistares, de rua, de cidade. Tenho medo de não me controlar e cuspir em ti quando passares ao meu lado.


Ainda descubro porque a cozinheira põe cenoura em tudo: macarrão, carne assada, carne cozida, frango guisado. Tudo, exatamente tudo, leva cenoura. Seja ralada, fatiada, em cubos. Porra, eu gosto de cenoura, tia. Só tô começando a achar que vou morrer de overdose de betacaroteno. Pega leve na cenoura, tá bom? Bem, agora vamos falar sobre o café. Cada um gosta de um jeito. A senhora não precisa derramar um quilo todo de açúcar na garrafa térmica. Eu sei que minto todo dia dizendo que tá ótimo, mas já virou um vício mentir para a senhora e para o meu paladar. Hoje eu exijo menos cenoura, menos açúcar e mais sabor. Minhas cáries agradecem. Obrigada.


O mesmo vale para a galera que gosta de reparar no visual dos outros. Sim, gente. Eu cortei o cabelo, sim. Ou vocês achavam que ele tinha caído? Ia ser o máximo, já pensou? Cair assim, de forma degradê? Um luxo só. Sim, eu engordei. Já entendi isso, galera. Pronto, agora podem voltar aos seus espelhos e reparar suas caras enrugadas, suas roupas cafonas, seus perfumes exagerados, sua forma cinzenta de ser e de viver e  deixar eu e meu cabelo, meu estilo, minha vida em paz porque já sou um inferno cheio de inseguranças e temores sobre eu mesma? Agradeço novamente.


Cansei de ser assim: meio extraterrestre ou autista. Dizem que eu sou estranha e eu me sinto assim. Fazem-me sentir assim.  Porque quando falo o que penso e isso agrada, eu tenho um jeito espontâneo. Se o que eu falo desagrada, sou impetuosa. Ninguém nunca se poupou de me criticar, de me apontar o dedo e de colocar em meu peito uma letra escarlate para me taxar como ovelha negra.


Pois saibam que a ovelha negra também sabe berrar e eu berro por isso, pelas verdades. Por um pacto com a verdade nua e crua. Tenho plena consciência que não posso sair por aí reclamando do pau pequeno do brocha, do cabelo e da tagarelice de uma senhora ou até mesmo da comida. Eu tenho consciência! Eu tenho fome de vida, de amor, de pôr-do-sol, de cerveja gelada final de tarde, de rock dos anos 80, de tatuagem e isso vale muito mais do que revelar aos outros o que eles deviam saber sobre si mesmos. 


O preço de ser tão fã da verdade é o rótulo. É como carregar consigo para todo canto, como um caracol carrega sua casinha nas costas, tudo que você pensa e mais o fardo do que os outros pensam de você. A maioria - talvez seja por isso que Maquiavel dizia que a unanimidade era estúpida ou burra, ou sei lá o que. Não sei qual o termo que ele usara - passa maior parte do tempo a olhar o rabo dos outros e esquece de limpar seu rabo e coloca-lo entre as pernas antes de reparar na vida dos outros.


Vamos viver com nossas verdades. Rir do que nos alegra é um direito. Pintar o cabelo uma vez por semana de uma cor também. Assim como o "laranjinha" da cenoura alegra a comida, engorda e faz crescer. Deve ser por isso que tô gordinha. Mas sou uma gordinha saudável e feliz. Se a Preta Gil é, porque eu também não posso ser? Eu sou. Claro que sou. E agora chega. Acabou o dia da verdade. Voltarei pro meu sorriso hipócrita porque nesse momento.... adivinha? Tem alguém de cabelo multi-colorido que me pergunta: 


- Oi, meu amor. Posso fazer uma "ligaçãozinha" rapidinho?


As verdades me exauriram tanto quanto substantivos e adjetivos no diminutivo.


 

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Mofado

Por Aimée

Sabe que eu tento não pensar em um milhão de sarcasmos e ironias, que eu amo por sinal, só para te explicar o que sinto agora de uma forma bem bonitinha e descolada que não seja humilhante ou que não me faça parecer essa bitch que você tá pintando por aí a meu respeito. Mas, "beibeeee", não consigo. Juro.


Eu sinto vontade de rir, eu sinto vergonha de mim e eu imagino todas aquelas pessoas que eu me afastei rindo de mim pelas costa durante tempo que eu gastava contigo. E foi assim: um gasto. Tô gasta, tô bege, tô passada e ando por aí numas aventuras tão legais  que colorem a vida que... porraa... quero rir de ti e de mim, de nós dois juntos andando de mão dadas. É piada, só pode.


Fora o fato d'eu ser problemática e fora o fato d'eu ser completamente maluca e fora o fato d'eu ter surtos psicóticos, mon amour, não tô na prateleira de qualquer supermercado. Entendes isso? Eu fico me repetindo nessa função de te fazer compreender que eu quero muito que entendas o que digo, porque é exatamente o que sinto.


Quando digo que não estou na prateleira, não só quero dizer que não possuo código de barras, manual de instruções, bula ou posologia (quiçá contra-indicações). Eu tenho uma auto-estima que baixa de vez em quando ou de quando em vez e vejo o quanto você é que é o ass hole da história, porque você sabe disso e você usou disso o tempo todo para me manipular.  


Daí eu demorei a perceber que eu sou mais, mais, mais que isso; que não tenho vocação para fazer "capa" contigo, nem para precisar de relacionamentos "muletas". Mais uma vez me preocupo se consegues sugar a compreensão que preciso que tenhas para que esta mensagem atinja a parte do cérebro onde devem ficar armazenadas as idéias sobre "vergonha de si mesmo".


Hoje eu cheguei a uma conclusão, brilhante por sinal, que eu adoro o que sou, como sou e eu sou assim, exatamente feita sob medida para algo que seja super-plus-mega-master sublime. Resumindo: je suis habité.  Plenamente habité, com meus problemas que viram piadas.


Dói-me pensar que perdi tanto, tanto tempo com você. Dói-me também saber de ti por aí choramingando, de nhem-nhem-nhem com nossos amigos em comum para que todos pensem que eu sou aquela pessoinha má. Não sou. Você não está tendo sucesso na sua campanha.


O problema é o seguinte: entre trancos e barrancos - e olha só que conclusão mais mágica, mais sublime, mais fodástica que se deu agora, justamente agora - eu sou extremamente amada. Chega a ser surreal a forma como as coisas dão certo para mim e mais ainda como pessoas do bem, de bom coração, me querem bem por nada.


Agora eu preciso respirar, viajar, absorver (porque dá menos trabalho que abstrair, afinal, absorvendo sairá na urina) tudo que nos aconteceu e dar grandes risadas. Primeiramente as internas, sabe? Daquelas que a gente dá andando sozinho na rua, fumando o último cigarro do dia antes de dormir. Depois... ah, depois eu já esqueci tudo, no intervalo entre um cigarro e outro, eu já esqueci.


No mais, fique bem. Chegamos a ser morangos, doces e raros por essas bandas daqui, de clima tão quente quanto o inferno queimando em enxofre. Hoje, nosso morango mofou, não é? "Morangos mofados". Morango e mofo.


Caio F. continua tendo razão: "Natural é as pessoas se encontrarem e se perderem".

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Vivo?! Morto?! Vivo?! Vivo?! Morto?!

Dia desses estávamos juntos, Barata e sua prole fofinha e banguela, Moa, Laércio, TT e eu. Churrasquinho prum lado, cerveja pro outro, malboros no meio.

Vivi: Vocês viram? Dorival Caymmi morreu né, gente?!

Barata: Amiga...(cara de reprovação que só ela sabe fazer junto com um silêncio para enfatizar seu desprezo) Ele morreu já faz quase uma semana.

E nesse papo mórbido fomos um pouco mais longe. Alguém da mesa soltou "Aliás, eu nem mesmo sabia que ele estava vivo..." E aí sim, desenvolvemos o assunto. Gente como pode? Essa televisão é fogo. Tira e bota quando quer os famosos e as tentativas deles, aí o resultado é que não sabemos quem morreu ou só está na geladeira do 4° poder. O ócio, a cerveja e o humor negro nos permitiu começar a filosofar:

 

"Dercy Gonçalves morreu!"

"Morreu há mais tempo, só que não quis desencarnar e ficou aqui nos assustando com sua boca vermelho mal pintada e seus palavrões."

"O Ary Fontoura tem maior cara de quem já morreu!"

"Verdade! Se ele não tivesse na novela das oito, iria achar que ele já tinha batido a bota"

"Ele e seu protetor*"

"Hahahahaha"

"Gente, o Enéas morreu, né?!"

"Meu nome é Enéééééas"

"Bora ver quem acerta, então. Morreu o Waldick Soriano ou o Cauby Peixoto?"

"Cauby."

"Waldick."

"Os dois não estão mortos, já?"

"Hahahahah"

"Sub-celebridades morrem e a gente não sabe."

"E haja neguinho que deveria morrer logo"

"Faustão"

"Hebe, outra múmia que não consegue desencarnar"

"A Xuxa já tá passando da hora também, bichinha tá ficando estranha!"

"Luciana Jimenez, mesmo tão novinha, tão gatinha, morreporfavor!"

"Ou agora que amarrou o diretor estribado, vai fazer compra, viajar, lançar uma ONG. Tudo menos ficar na tv em canal aberto perguntando o que é um equínio, faz favor?!"

E depois de redescobrir vários defuntos, matar mais uns quinze, e se esbaldar de rir de tamanhas desgraças.

"Chega gente assunto mais fúnebre, melhor mesmo, é morrer esse papo!"

"Hahahahaha"

Adoramostrocadilhosmisturadoscomhumornegro.

Beijomeligaevêsemorre!

* O protetor era um amigo imaginário, uma espécie de anjo da guarda do personagem de Ary Fontoura na novela, A Viagem [super sugestivo, de novo]

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Sonhos e temperos


Por Moara Brasil


Todo mundo deve ter sonhos. Os sonhos são o tempero da vida. É humano sonhar, e quem diz que não tem sonhos é como dormir sem lembranças, sem projetos, sem fantasias, enquanto espera deitado na cama, revirando a cabeça na almofada ao silêncio da madrugada, numa rotina sem surpresas e mistérios. Esperando o fim do mês, para receber aquele salário de sempre, acompanhado de olheiras, e dores de cabeça ao lado de dívidas.


Deixar de sonhar é como perder algum dos sentidos, é viver atrofiado, é viver como um objeto, uma coisa. Um nada. Sem graça, sem sal. Sem alma.


Juliete tem sonhos, é empregada doméstica, mas quer que um dia o filho dela entre  na faculdade de Direito. Um dia ela consegue. Guarda o dinheirinho para ajudar o seu filho e anota todos os seus planos num caderno precioso.


Rose nunca deixou de acreditar que vai encontrar o homem  da vida dela, aquele homem gentil e cavalheiro,  que compartilhará todos os projetos de vida com ela, eternos enquanto dure o amor. Apesar das reclamações de sempre, ela acredita.


Mesmo aquela mãe, que tu enxergas ali, todos os dias, caseira e às vezes infeliz. Ela também tem sonhos, eles ficam guardados, trancados com uma chave dentro do baú. Um dia eles serão soltos, é só acreditar que eles se materializam. Todo sonho é possível.


Cante todos os dias “eu vou conseguir”, como um mantra e agradeça sempre por tudo, seja grato. Os sonhos precisam  ter pernas, elas que fazem andar.E para andar é preciso ter um cérebro que tenha energia para pensar. E mesmo que seu sonho pareça um pouco distante, acredite, ele pode estar tão  perto que nem imaginas.


Não ter sonhos deixa a pessoa careca, deixa a mulher frígida, deixa o homem infeliz. Não sonhar é não viver, é não ter a oportunidade de querer ser tudo aquilo da sua imaginação. Se não sonhas é porque já estás morto, procure então logo o dia e o local do seu enterro. Não sonhar é como viver sem trilha sonora, e comida sem tempero.


Nós nascemos para sonhar, e todos os teus amores esperam isso de ti. Todos esperam ansiosos, e sonhar é um componente da felicidade. Que nem temperos numa comida. Prove todos os temperos, experimente o cominho, a pimenta do reino. Saiba aonde colocar o alho, sinta o cheiro bom do manjericão. Respire o alecrim e  saiba dosar o sal. Faça a comida com todo o amor, corte com carinho a cebola, o tomate, o pimentão. Prove, prove e reprove. Pense no outro que irá comer a sua comida. Ame o outro e faça-o sentir que ele é amado ao servir aquele prato delicioso.


Todo sonho é possível, pois ele já nasce nas idéias e no coração. Basta sonhar e acreditar, depois é só saber o segredo dos temperos e doar todo o amor a sua comida.




Imagem: Ulisses Parente- Belém-PA


 

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Sapatos

Por Lora Cirino

Dia desses, por acaso vi uma foto tua. Não, eu não a tenho, não deu tempo de construirmos nada, mas tu me desconstruíste rápido. Quero colocar a culpa no pouco, quase nada que passamos, mas não dá, pelo simples fato que em muito tempo, tu foste o único que despertou um sentimento tão puro e fofinho em mim, parecia amor. Não! Não posso ser idiota e chamar de amor, eu acho que sei o que é sentir amor, eu já senti! E uma noite de poucas horas não pode definir tal sentimento.

É, vai ver que eu inventei que tu és o que eu quero ter, quero muito. Tento parecer que quero, mas ninguém enxerga isso, ninguém me leva a serio e a culpa é minha, que tentei construir a imagem da independência, toda ela e consegui, que ironia! 

O que eu entendo muito bem é que há muito eu não sentia um beijo tão puro e uma vontade tão grande de cuidar. O sorriso solto nos lábios, o mundo esquecido ao nosso redor. Eu, que criei uma vergonha idiota de demonstrar sentimentos, naquele dia escutei: "e aí, vocês vão casar hoje mesmo ou o quê?". Por mim sim, casaríamos. Finalmente eu havia encontrado alguém, que eu nunca tinha visto, mas que não precisava disso.

Eu sentia vergonha alheia pelos teus sapatos, os mais ridículos que já vi na vida. Sentia um pouco de vergonha pela tua idade, mas não haveria problema, porque nós tínhamos nos encontrado no mundo e de repente éramos a certeza um do outro e não conseguíamos nos separar por nada.

Era estranho ver alguém no meio dos meus conhecidos que eu nunca tinha visto, foi quando eu descobri que nossas fronteiras eram distantes e que a partida era próxima, uma hora aproximadamente. Uma hora. Eu não merecia te conhecer e te desconhecer em uma hora. Em uma hora me deu infinita tristeza e infinita alegria por ter te conhecido. Tu foste o meu entorpecente daquela noite.

Houve promessas e conversas posteriores que se foram como sempre acontece, sem um adeus, uma explicação, nada. Nossos corpos se conheceram muito pouco, nunca ficamos sozinhos, nunca fomos ao cinema, eu não conheci teu avô e nem tu a minha mãe e isso não vai acontecer. Mas eu te agradeço por ter me despertado, mesmo que tão rápido e tão lindo.

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Desaniversário




Quando criança, fazer aniversário era aquela coisa toda de esperar que o mundo girasse a meu redor com os presentes, as felicitações, as surpresas e as pessoas queridas paparicando. Claro, que a melhor parte era ganhar presentes: eu sempre era levada àquela loja de departamentos gigante onde eu podia escolher o que quisesse.ac023e62cbc946434bd52b93ec3a799aafe7a21f_m

Com o passar dos anos a vaidade diminuiu. Não gosto de dizer aos outros que é meu aniversário. Passo todos os dias que antecedem a data lembrando os outros com diretas e indiretas sobre presentes e comemorações e chega no dia, morro de vergonha de receber o simples "parabéns".

Passei a afirmar o mito do inferno astral que antecede a data do meu nascimento e esse ano, parece que o próprio Lúcifer se planejou para executá-lo com maestria em todos os departamentos da minha vidinha, indo desde o "setor" profissional até o sentimental. Rebuliço cósmico planejado para anteceder 24 de setembro de 2008. Caprichado!

Passado o inferno, ficou só o astral. Não esse de gente efusiva que alardeia seus pequenos feitos. Ficou o que fica depois da tempestade. Os destroços e algumas fagulhas de uma esperança que parece, nesse exato momento, ser a última. Mesmo que essa coisa completamente incompreensível chamada de existência já tenha me surpreendido várias vezes, o meu astral tá em cima do muro, tá no fio da navalha.

Não desanimo porque não posso. Fraquejo, sim. Muitas e muitas e muitas vezes. Cometo erros, dou mancadas com as pessoas que mais amo, não termino o que inicio e tenho o péssimo hábito de afastar as pessoas de perto de mim. Receio por fazer o processo inverso: ao invés de tornar-me borboleta, virar casulo de vez.

E hoje está sendo mais um dia que vai ser o primeiro dia do resto de minha vida, mais um recomeço, um start novo, novas metas a meu tempo. O lance todo foi a compreensão de algo bem simples: a gente não possui o tempo.

De nada adianta dizerem que estou mais pros 30 do que pros 20. Cada um tem seu tempo e constrói (ou destrói) sua vida nessas horas, minutos, segundos... sei lá, nessas convenções para aprisionar algo que nada mais é que nascer e pôr-do-sol. O meu tempo pode não está sendo tão ágil como muitas pessoas desejavam e até mesmo como eu previa para o meu futuro.

Lembro de imaginar-me, menina ainda, com meus 26 anos e parecia tão distante, algo bem como "casada, com casa, com filhos, cachorro e periquito". Não foi o que plantei no decorrer desses anos, nem sei se definitivamente é o que quero. Não quero dizer que sou auto-suficiente ou algo do tipo.

Claro que quero um companheiro pra vida toda ou até onde nos aturarmos. Filho eu já tenho. Cachorro também. Mas a conjuntura é outra, entende? Eu quero mais do que isso e foi por abarcar o mundo com os curtos braços que fiz um monte de burradas e me enchi de confiança sem ter criado nenhum tipo de alicerce para me sustentar.

Hoje, eu quero menos. Quero as coisas no seu tempo. Não quero mais sofrer pelo que não foi, pelo que deixei para trás, pelo que está lá morto e enterrado. Não quero mais paixões avassaladoras, quero só me apaixonar por tudo e por todos a cada momento, como curtir uma caminhada num final de tarde ou sentir um prazer supremo em ir ao cinema sozinha (adoro!).

Parece meio papo de mulher á beira de ataque de TPM, toda essa reflexão sobre passado e futuro, sobre insatisfação e expectativa. Mas sempre - e quem me conhece sabe disso - sempre mesmo fui movida a grande quedas, a crises de ansiedade e a insatisfação perene sobre eu e o mundo todo. Desisti de mudar o mundo, até porque vi o quanto o mundo me mudou nesse último ano.

Lembrei do início do filme "Muito gelo e dois dedos de água" agora. Deu-me vontade de contar pra vocês que um dia vocês todos vão ver minhas obras de arte, ler meus best sellers e ouvir minhas músicas, porque tudo que a vida tem me acontecido está aguçando a minha veia artística. Pois bem...

Não sei se ano que vem vou contar para vocês que tomei coragem e montei um portfólio com meus textos e saí oferecendo por aí minhas escritas, em redações de jornais, de porta em porta. Ou pode ser que até lá eu possa ter tido oportunidade para fazer aquele curso de fotografia que sempre sonhei. Ou que tenha dado continuidade nas três línguas estrangeiras que comecei e deixei lá de stand by.

Ou pode ser que esteja na Austrália, surfando (mesmo sem crer que há alguma possibilidade nessa vida d'eu ter coordenação motora suficiente para ficar em cima de uma prancha). Não sei... Pode ser que nada dê certo ou pode ser exatamente que nada pareça dar certo para que no final tudo pareça estar encaixando. O bom é que no auge dos meus vinte e poucos anos, eu descobri que pode... que TUDO pode e não vou mais abrir mão de ser feliz.

Portanto, feliz desaniversário para mim. É muito mais divertido pensar em cada um dos dias que compuseram esses anos todos do que avaliar hoje e só hoje. Vou continuar comemorando todos os dias por estar aqui, viva e em pé até porque é muito divertido ver as pessoas organizando uma festinha surpresa para mim pensando que eu não tô sacando nada....

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É difícil falar de você

Por Lunna



 


É difícil falar de você. Mentira. É tão fácil que costumo fazer um esforço desumano para não contar pra tia da copa que ontem fomos ao cinema ver um filme “pão com ovo” e devoramos um saco de meio metro de pipoca. Quando a minha chefa me pergunta como foi aquela reunião, tenho vontade de dizer a ela que eu nem entendi direito o que se passava, mas que mais tarde você irá passar lá em casa e assistiremos a reprise do programa do Silvio Santos. E depois iremos derramar um pouco de pimenta no sofá quando você resolver traçar as suas pernas com as minhas bem na hora de comer coxinha. É tão complicado esconder o seu nome em cada meio metro de frases banais que eu falo que já me acostumei a me policiar o tempo todo. É por isso que quando estou assim, livre pra falar de você, é realmente complicado. É o que eu quero. Ainda tenho um certo medo de fazer o que me dá na telha.


 


 


Já faz quase um ano e eu ainda não consigo identificar a marca do seu carro. Eu tenho que saber. Todas as vezes que você passa pra me pegar eu não consigo desviar o olhar para a bunda do carro. Foco-me em você e esqueço de averiguar que diabos de carro que é. Quando eu chego em casa lembro que esqueci de saber. É um tormento, sabe? Todos os carros prata que eu vejo no trajeto casa-trabalho-casa me parecem com o seu. Toda esquina o coração parece sair pela boca. Umas putas náuseas, sabe?


 


 


Pois bem. Você é impressionantemente tão igual ao que eu sempre fantasiei que em cada trago soltado para a escuridão de fora da minha janela eu me questiono se não estou de fato tendo um colapso imaginativo. Vai ver eu finalmente fugi do mundo dos homens e com a minha atual formação em PHD em devaneios, já consigo bolar fatos e vidas irreais. E é justamente nessa hora que você me liga pra desejar uma boa noite e dizer que vai sonhar comigo. Sonho ou não, eu prefiro ser piegas: não quero acordar.


 


 


Aí eu me encho de medo e de tudo o que afeta o estômago mais do que macarronada de atum azeda e tenho vontade de gritar para o brother da padaria que quando eu vejo aquele leitão eu quero muito que você prove essa iguaria comigo. Aí eu lembro que nós já temos uma agenda gastronômica tão cheia para os últimos meses que devo marcar a minha lipo para o fim do ano.


 


 


E mais uma vez não consegui escrever sequer um adjetivo seu. E mais uma vez não deu pra te definir pra mim e pro mundo, e pra nos definirmos juntos. E juntos nos definirmos separadamente. É difícil falar de você. Ah, se é.

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Alguns se acham, enquanto outros se perdem por aí.

Por Alice



Sabe que eu consegui olhar a gente de fora, como se fosse de um outro prisma, por cima, dos lados? Sei lá. Eu olhei de um outro jeito e éramos nós, rindo e falando qualquer coisa, ora sem importância e ora marcante.

O carro parado à beira do rio, a lua estranha refletindo na água e eu adorei tudo aquilo - o cheiro de cigarro,a tua risada larga, o teu sorriso malicioso e cínico e foi ao te ver que agradeci todas as coisas profanas do mundo.

Graças a Deus, sarei. Curei minha alma dos amores expressos. Não te queria mais do que aquilo: um chiclete, uma conversa, uma transa, umas piadas, um cigarro, um tchau, um beijo e até logo (ou não).

Hoje estou assim leve porque sou humana (óbvio!), porque preciso de terapia, de remédios, de emendas em feridas antigas e nada disso você vai me dar. Não quero nada de ti, não espero nada além das famigeradas mentiras sinceras.

Não quero mais do que a tua pegada, a tua mão marcada na minha pele e o teu jeito de dizer que eu mando e desmando; que faço tudo que eu quiser, que posso, que quero, que ordeno e tu que tu adoras isso. Afinal, devo ser assim mesmo: exagerada, falastrona e gargalhar alto.

Te re-conheci. Conheci-te de novo só para dizer que toda mulher devia te ter na vida, por seres um louco doce, um doce cafajeste. Eu curto cada momento contigo porque não espero mais do que você pode me dar e bem sabes que eu, nada tenho a te oferecer senão o que eu sou... ou como aquela frase: sou tudo que dizem por aí e mais um pouco. É só isso que sou. É apenas isso que tenho.

Tenho meus textos, meus livros, minhas fotos. Há também minhas histórias de amores perdidos que escorreram em ralos sujos e ainda vitórias, muitas delas, que não soube decifrar senão depois que já nem eram consideradas minhas.

Mas, amor, você nunca fará parte das minhas coisas. Seu lugar é lá longe, no meu imaginário, juntamente com as fantasias mais sórdidas e sujas. É por isso que falo ao pé do teu ouvido: chega mais perto, chega!

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Fumando no banheiro

Do convidado Mauro Moura

 

Naquela tarde de quarta-feira, não fazia tanto calor como em outros dias, o que tornava o clima agradável, o que é de se espantar, em se tratando de Belém do Pará; encontrava-me relaxado, exercendo o prazer de saborear o mais mortal vício existente em meio àquele ato involuntário que todo ser humano normal faz diariamente, ou seja, fumando no banheiro.

Percebo que, naquela exata hora, estava eu, absorto, naquele trono branco e solitário, sentido um sossego intenso, uma total ausência de preocupações e anseios, experimentava minha mente livre de todo e qualquer pensamento, que não fosse o prazer mortal de tragar aquele cigarro de qualidade duvidosa, o que me dava uma confortável sensação de clareza.

Em tal instante, busco tirar proveito dessa breve ausência de parcialidade e tento visualizar algo interessante sobre posturas tomadas e coisas ditas importantes, aquelas que consomem em grande parte nossos pensamentos.

Ausente de paixões e preocupaçoes, longe da agenda quase sempre lotada de compromissos e de clientes sempre exigentes; começo a divagar sobre questões existenciais, percebo que o ser humano é tão igual ao outro por mais que ele se esforce em provar o contrario, vejo que somos sós e um universo em nós mesmos, tamanha nossa complexidade; Deuses em potencial, pois ninguém há de duvidar que a divindade esta presente em cada um de nós, permitindo-nos criar e destruir com igual maestria.

É difícil enxergarmos isso no próximo, pois estamos tão concentrados nessa corrida maluca em busca de acumulo de posses, que esquecemos de ver a diversão naquilo que nos é dado de forma gratuita pelo universo; pois o pôr-do-sol ainda está ali aguardando a sua atenção naqueles minutos grandiosos, mas estamos muito ocupados para isso, vendados lamentando que o dia é curto para tantos compromissos...quanta bobagem.

A vida está aí, esperando para ser desfrutada, rápida como o inesperado sopro derradeiro, passa pelas nossas mãos entorpecidas, incapazes de sentir sua magnitude, pois estamos ocupados demais para vivê-la, temos q seguir a rotina diária de sacrifícios para alcançar o sucesso, pois o mundo é dos vencedores...que.

É necessário buscar momentos diários de lucidez, fugindo da repetição tediosa da rotina estressante, precisamos de tempo para reorganizar as idéias, arrumando a casa para novas visitas, novas idéias que entram como o sol revigorante da manhã silenciosa, abrindo os olhos para aquilo que sempre esteve à nossa frente, mas estávamos sem tempo em nossas agendas.

Percebo ainda, que momentos como aquele, em que nos encontramos totalmente nús, devem ser dotados de alguma significância, no sentido de aproximar o exercício da reflexão, buscando visualizar respostas para os nossos anseios, olhar no espelho e encarar as imperfeições do corpo e do caráter, tendo ainda que encontrar paz de espírito diante de todo esse conflito que nos ronda minuto a minuto: a busca de sucesso, uma família feliz, um par satisfeito e uma carreira sólida.

O problema, é que nos ensinaram que tudo tem um preço, pautamos o ideal de felicidade em conceitos pré-propostos de satisfação garantida, o que nos coloca dentro de uma corrida incessante na busca dos bens materiais, que terão a ingrata missão de preencher o vazio inominado; a frustração na permanência do vazio é quase sempre a rota certa. O bem almejado, não nos rendeu aquela sensação plena de felicidade, estampada de forma tão sincera no rosto da moça que aparece no comercial. Fomos enganados!

Insaciáveis, somos arrebatados por outra promoção de felicidade, essa mais completa e sofisticada que a anterior, tecnologia de ponta e tem o detalhe importante, compro um e levo dois...

 Coitados, eles pensam que os adornos de fora é que são importantes, esqueceram de olhar para dentro; quando o fazem, percebem que ainda não temos promoções de abraços, vitrines de amizades sinceras e respeito ao próximo, estoques lotados de amor que poderão ser adquiridos a preços módicos nas casas Bahia; acredite ... isso não se compra. 

É certo meus caros, que devemos exercer a busca pela lucidez, não tema em ser a ovelha rebelde que abandona o rebanho, busque também os adornos da alma, adquira mais a ética e o respeito ao próximo, cultive o sorriso gratuito que abre portas inesperadas, faça o bem; conjugue o "ser", fuja dos conceitos massificados, da ditadura da magreza, aja com prudência e permita-se, experimente.

O cigarro acaba, dou a descarga, vejo que estou atrasado, tenho de vestir meu terno e voltar ao mundo real; mais vou tranqüilo, com a sensação de dever cumprido.

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Em greve

Por Anna Carla Ribeiro


 


 


Apagou o cigarro no copinho de café, como nunca foi de costume. Parou um pouco pra pensar em quantos acontecimentos em menos de um mês e meio. Tudo mudou: a rotina, a convivência e até mesmo os costumes refletidos numa bagana de Marlboro Light apagado num copinho de café, preto e com açúcar. Ela nunca foi de ingerir fumaça, gordura e cafeína com tanta freqüência. Ela nunca foi de muita coisa, aliás. Quem é essa daí, trabalhando que nem louca, tentando entender o que se passa diante das novas pessoas que apareceram em sua vida? Ela se olhou com calma, um pouco de ardor nos olhos. É o cansaço.


 



Gostou do que viu. Sentia-se tão estafada com aquela antiga menina de um mês e meio atrás que nem chegou a sentir saudade. Talvez do tempo livre. Só talvez. De uma cervejinha de vez em quando. É, isso sim. Mas não vem ao caso. Percebeu ter se tornado justamente o que havia projetado. E riu como se tivesse fazendo um auto-agradecimento. Agora é até difícil falar dela. Mudou tanto que nem sequer tem do que reclamar. Defeitos, dificuldades a superar? Tem vários, cada vez mais em ordem crescente. Não vem ao caso outra vez. Isso nunca vai acabar, ela sabe, ela gosta, ela quis assim. Essa péssima mania de odiar ver o mundo parar, desde criança, não é à toa que não consegue parar de roer as unhas.


 



Esticou as pernas, sentiu o bafo quente típico de domingo que aumentava ainda mais essa mistura de excitação pelo que ela não conhece e a pressão pelo mesmo motivo. Umas bostas. Tanto equilíbrio tirou dela a inspiração. Já não suportava mais seus antigos textos metidos a uma espécie de confusão pós-teen e nem sabia mais o que escrever. Reclamar do quê, dessa vez? Da alta tarifa da atual operadora de celular? Da rotina maluca que ela odiava e amava ao mesmo tempo? Do medo que ela sempre teve e que talvez nunca deixará de ter? Quanta chatice!


 



Cansou-se de reclamar, não consegue nem ouvir blasfêmias de outrem, coisa do seu ponto forte. Não tem mais paciência pro que não é preto no branco, pro que não é claro, visível e inteiramente entendido. Perdeu aquilo que mais queria ver florescer: sua capacidade imaginativa de criar problemas e situações registradas em cartas e em letras verdana no Word. Em compensação, largou caneta, teclado, cadeira, monitor e foi buscar a plenitude no que é de verdade.


 



Enquanto estiver em total equilíbrio com a realidade, estará em greve da sua tão bem sonhada fantasia.

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O reset interno.



"Minha alma tem o peso da luz.

Tem o peso da música.

Tem o peso da palavra nunca dita, prestes quem sabe a ser dita.

Tem o peso de uma lembrança.

Tem o peso de uma saudade.

Tem o peso de um olhar.

Pesa como pesa uma ausência. E a lágrima que não se chorou.

Tem o imaterial peso da solidão no meio de outros."

Clarice Lispector

 

Tudo na vida cansa. Quer saber? Cansei! Durante muito tempo achei que ser essa esponja sentimental era meu carma. Absorver todas as dores que eu consigo, como se fizesse parte de uma trajetória quase implícita. Ai eu sofri, sofri e sofri.

Sempre achei extremamente normal chorar. Isso significa dizer que já chorei em igrejas, festas, casamentos, hospitais, ônibus, praias e como não poderia deixar de ser, em quase todos os bares e festas da cidade. Isso era uma válvula de escape pra mim. Me sentia mal, refletia e me largava no choro. "Pronto! Agora sim, tô leve. Posso enfim abstrair o peso que sentia ainda a pouco".

O que entra em questão agora não é o comportamento que sempre tive. E sim, o porquê dele. E as suas consequências. Porra! Se eu sou assim tão legal, tão madura, tão forte para os problemas dos outros, já está mais do que na hora de eu passar a ser assim por mim também.

Então fica decidido. Acabo aqui meus fantasmas antigos. Quero reciclar até mesmo eles. Chega de me aprisionar em passados que eu não pude entender o que aconteceu. E esperar desses mesmos fantasmas, solução para isso. Como disse Caio Fernando de Abreu, em seu texto"Carta a Zézim" ‘O caminho é in, não off. Você não vai encontrá-lo em Deus nem na maconha, nem mudando para Nova York, nem.’

A mente humana é tão estranha a esse ponto. A solução, a resposta é "in". Mas estamos sempre olhando ao nosso redor, perguntando a terceiros o que deveríamos fazer. O pior de tudo é saber que se fosse tão simples, se as respostas aparecessem assim tão claras, perderiam uma boa parte do prazer e da satisfação de resolver algo que não mais irá atormentar.

Tenho batido minha cabeça na quina do criado mudo para tentar entender sentimentos que tenho por algumas pessoas. E isso extrapola os limites sexuais. Me refiro a tudo. Família, amigos, entre outros personagens.

O que eu percebo é que as vezes eu engradeço o que não deveria ser grande, subestimo coisas que no fundo sei a força que podem chegar a ter. E sempre, eu disse sempre, coloco um ciclo vicioso nos amores que tenho. Como se fosse possível carregá-los dentro mim. Constantemente e involuntariamente em minha vida. A consequência disso é que me torno pesada. Absorvo, idealizo e tento proteger o que não tem mais nem motivos para tal.

Com isso esqueço de mim. Saio do meu espaço físico e psicológico e passo a ter uma preocupação que não deveria ser minha, e sim do receptor desse sentimento. Quer saber?! Danem-se todos! Vou resetar tudo, recomeçar, terminar o que está inacabado, inclusive cada texto que tenho guardado e que quase ordinariamente escrevo mais uma parte. Agora não. Vou terminá-los e exterminá-los de mim. Eu não tenho que me cuidar sozinha? Por que tenho que fazer isso pelos outros também? Isso, sem ninguém me pedir que o faça. Eu sei das vezes que agi de maneira equivocada e perdi muitas coisas por isso. Não sou eu que tenho que sofrer também pelas pessoas que fizeram o mesmo. Resolvi acabar com esse misto de medo, preocupação e piedade pelos que não sabem o que irão ganhar ou perder com suas escolhas. Isso tem que partir de seus autores, não de mim. Já não basta as minhas dores, as minhas cruzes que tenho para carregar.

Isso é auto flagelação da minha parte. Sofrer por mim e pelos outros?! Chega! A partir de agora, serei leve. Não quero mais brincar de ser Tereza*, quero ser Sabrina* quem sabe. Cada um deve saber o que é melhor pra si. Eu estarei aqui, disposta a tentar ajudar quem resolver em um belo momento entender que sim, precisa de alguma ajuda da minha parte. Mas, sofrer pelos outros, basta! Falo tudo isso porque sei que metade das minhas crises, dos meus prantos e de mais qualquer ação que cometo por estar mal vem dessa minha eterna mania de sofrer por mim e pelos outros. Sofrer ao quadrado. Duplico os problemas e não tenho com quem dividir as soluções.

Enfim, nem sei se ao menos consegui me fazer entender nesse texto. Mas ele antes de mais nada é um registro de uma evolução particular. Da vontade infinita de ser uma pessoa melhor. Só que dessa vez, antes de mais nada, quero ser melhor pra mim.

 

*Teresa e Sabrina são personagens do filme "A insustentável leveza do ser".

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Contos ninfomaníacos.



Por Selene Rilke

Ela já estava sonhando com isso, não aguentava passar mais de um mês sem o tal sexo de sempre, aquele sexo descompromissado. Um dia desses ela acordou com gritos e sussurros, dela mesmo, claro. Ela era ninfomaníaca, e assumida. Nunca escondeu isso de ninguém, já nem sabe quantos homens ela já comeu na vida. Foram tantos que ela mesmo se avacalhava "daquele grupo eu já peguei quase todos, pego mesmo!".

Resolveu então comprar um consolo, sim...ela foi ao Sex Shop. Nunca ela tinha ido a um Sex Shop, e quando ela entrou naquele recinto sentiu um cheiro de perfume barato de boate, ficou enojada. Primeiro que a atendente não era nenhum pouco sexy, gorda para cacete e um pouco grosseira, nem sorria, a coitada. Devia ser duro ter que ficar ali o dia inteiro vendo pessoas de todos os tipos entrar naquele lugar atrás de produtos de sexo, e sem poder dar uma transadinha.

Entrou sozinha, e desconfiada. Até tropeçou num tapete rosa que atrapalhou o caminho dela. Bem, ela ia comprar o tal vibrador, não podia mais ficar transando por aí com qualquer um que cruzasse a esquina dela, então decidiu que o melhor remédio seria esse brinquedo tão querido pelas mulheres livres sexualmente.

Não quis mais olhar para os lados, ela, com seu vestido tubinho e saltinho, cabelos loiros e lisos, ficou envergonhada e só olhava para frente, para a imensa prateleira de pintos de borracha. Nossa! Ela ficou bege, realmente havia pintos para todos os gostos e tamanhos. O pinto preto chamou mais a sua atenção, mas ela achou meio estranho, porque realmente era muito grande, ela tentou lembrar na sua memória ruim se já havia pegado algum com essas características, mas não, não lembrava.

Depois ela viu um pinto comprido e fino, credo! Ela lembrou do Jack, que ela foi apaixonada por um bom tempo e se desapaixonou na primeira transa. Não, não ia levá-lo de jeito nenhum.

Depois de tanto procurar pintos de borracha para safistazer a sua libido, ela finalmente achou o qual ela gostaria que fosse seu companheiro das suas noites mal dormidas. E num gesto de felicidade, pegou-o e sorriu para as paredes. Mas, de repente, um rapaz abriu a porta barulhenta do lugar, e ela tomou um susto e deixou o pinto cair no chão. "Droga!", ela resmungou. O rapaz sorriu, quase que tirando sarro da garota. Num tom de agrado, ele foi ajudá-la a recolher o vibrador. Mas ela não permitiu, e pegou furiosa o objeto dirigindo-se em passos rápidos ao caixa.

- Eu aaaacho que eeeesse não está prestaaaando, disse a gorda numa voz fina e chata.

A gorda colocou a pilha, bateu e remexeu no pinto e nada...ele nem se mexia. Enquanto isso, a garota percebeu que o rapaz a olhava sorrindo. Mas ela não sorria, estava furiosa. "Veja se tem outro no depósito por favor, ela disse". E a gorda foi ver se encontrava outro vibrador. Só aí a garota pôde perceber que o rapaz não era de se jogar fora, tinha umas pernas de jogador de futebol, branquinho de cabelos pretos, com uma altura considerável e um sorriso muito charmoso, que ficava mais bonito com as sombrancelhas grossas. Ele estava na sessão de filmes e revistas pornôs. "Devia ser um tarado", ela pensou. Ia se dar muito bem com ela. Sex Shop deveria servir para encontros pornográficos de ninfomaníacos, que já não tem mais quem pegar por aí, e o que os resta são apenas clientes tarados.

-Ééé minha querida...não tem. Disse a gorda quase com preguiça de terminar a frase.

A garota pegou o vibrador e tentou ela mesma fazer funcionar o negócio, já não mais se envergonhava, só queria que aquele troço funcionasse. "Me dá aqui", o rapaz disse lá do final do corredor. Enfim, o que ela iria fazer numa hora dessas? Entregou o pinto para o estranho. "É só bater um pouquinho", e pronto (parecia um tanto irônico). O vibrador começou a vibrar de tanta emoção. "Obrigada", ela disse, e finalmente sorriu para ele, como se aquilo fosse o melhor favor que alguém poderia ter feito para ela.

Dirigiu-se a porta e entrou no seu Peugeot, a garota não parava de pensar no rapaz estranho. Já imaginava ele saindo daquele Sex Shop e indo em direção ao carro dela, e sem pudor, transariam ali, na frente do espelho da loja, com a gorda de voyer. Pegou o vibrador para guardar no porta luvas, e um pequeno papel caiu em seguida, no banco. "Rafael: 91436723". O coração da garota ficou agitado, ela pisou no acelerador e gozou naquele momento, sabendo que aquele vibrador não seria o seu companheiro daquela noite, ainda!

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Quadrinhos só para mulheres...



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Teoria dos Gigantes



Por Moara Brasil

Joana não consegue entender esse mundo. Ela sempre achou, desde criança, que era de outro planeta. Quando Joana tinha 5 anos, não sabia nada sobre a morte, a origem do mundo, e outras coisas mais. Acreditava que todos os humanos cresciam até ficar gigantes, e lá no alto, bem distante, encontrávamos Deus e tomávamos  uma Coca-Cola com o dito cujo. E assim viveríamos felizes para sempre, fazendo churrasco de picanha aos domingos com toda a imensa família. Mas a sua prima, Letícia, um dia contou para ela que isso era loucura da cabeça dela, e que o fim de todo mundo era a própria terra, tudo virava cinzas, pó. Joana, decepcionada, chorou uma semana inteira. Ela se perguntava "Como podíamos  ficar do tamanho desses adultos e depois virarmos cinzas?". Ela achou isso mais absurdo do que a sua Teoria dos Gigantes.

Revoltada, cresceu meio amarga. Se nosso fim é a própria Terra, então nada melhor do que aproveitar tudo o que ela proporciona nessa vida. Resolveu plantar algumas sementes e subir em árvores na rua da casa dela. Sempre firme e forte junto a tal terra, para onde ela iria um dia, lá para baixo junto com as futuras amigas minhocas.

Porém, ela queria acreditar em algo: foi fazer uma tal de 1º Comunhão. Até que um dia, a freira Dora Alice chamou a sua atenção. Joana foi escolhida para ser uma daquelas meninas que lêem a Bíblia lá no altar, no dia da Comunhão (coroinha?). E, uma vez, quando ela estava indo ensaiar, a irmã Dora Alice disse:

- Menina, você não pode mostrar as suas pernas dentro da minha Igreja!

Joana perguntou o porquê, porém todas as colegas daquele ambiente riram da cara da magrela. A menina de 9 anos voltou para a casa, e mais uma vez chorando. Queria saber se Igreja por acaso tem dono, e se havia alguma lei na Bíblia ( o tal livro mais sagrado ) que proibisse meninas magrelas de entrar de saia na Igreja da irmã Dora Alice. Ela chorou mais uma vez! Realmente era melhor que tudo acabasse em cinzas. Bem que a mãe de Joana já havia dito para a filha não se meter nesse papo furado dessas irmãs.

Se agora o futuro de Joana era as Cinzas, e a Terra. Parou nesse momento em acreditar na Igreja. Preferia rezar para um Deus que ela havia inventado: o Deus dela mesma.

Joana insistia, ela não era dessa Terra, de jeito nenhum! A Tia Cristina disse para a garota que ela crescia, e que já era hora de criar paixões e amigas, para poder viver por aí a fora. Mas Joana não tinha uma grande amiga, nem uma grande paixão. Ela gostava do quarto dela, do Diário e aquela caneta bic, e do Livro das Virtudes, que a sua mãe havia dado  de presente de aniversãrio (e ela nem tinha dado tanta bola para aquele livro imenso do William Bennett ) . De vez em quando, nas reuniões de familia, ela brincava de "Comandos em Ação" com seus numerosos primos. Não queria brincar com as meninas, achava-as muito chatas com aqueles papos de bonecas, de casamentos, de família e tudo mais.

Mas ela resolveu ouvir a tia Cristina, e foi enfim tentar ter duas amigas. Uma era a própria irmã, que ela não conhecia direito, a outra seria a Betinha, amiga da Vila. Pediu para que a mãe dela  deixasse a irmã passar uns tempos na casa da sua família.

Depois de umas semanas, veio enfim a decepção. A sua irmã implicava com tudo, dizia que Joana era magra, muito magra, que era feio para a cara dela. Que as suas roupas eram bregas e que seu cabelo era demodé. Foi então que a irmã dela teve que ir, e para não voltar mais, pois havia roubado todas as roupas e os sentimentos de Joana. É, Joana não tinha muito sorte para conviver com outras pessoas nesse planeta.

Uns dias depois decidiu que ia ter uma grande paixão, e já com 10 anos escolheu o Ric Loro. O Ric Loro era o gatinho rico de 14 anos lá da Vila onde ela morava, loiro, dos olhos castanhos, um rapaz bonito. Joana olhou para vários garotos e apontou para ele, e se fosse para se apaixonar, que ao menos fosse belo. E decidiu também escolher uma amiga, apontou para a Betinha e a selecionou como a sua grande confidente.

Passou 1 ano, e Ricardo não dava bola, não queria nada. A coitada sentiu a  sua primeira desilusão, escrevia tudo no seu Diário e chorava pelo amor não correspondido. Betinha, sua grande amiga, a consolava e tentava dar dicas para ela não desistir nunca e falava "menina, come mais um pouco". Porém, Ric não a queria.E ainda disse que não a namoraria porque ela era muito "magrinha" para ele.

Joana chorou mais uma vez, e por que magra não podia ter paixões? Nessa hora ela lembrou da Igreja, e não compreendia o porquê da irmã Dora Alice ter visto tanta falta de pudor naquele corpo magro, das pernas finas e bunda seca. Sim, magreza não deve ser um bom exemplo para se viver bem nesse mundo. E não demorou muito para outra decepção, a Betinha começou a namorar com o Ric. E ignorou a existência de Joana por alguns dias, até Ric deixá-la sem explicação. Joana sabia disso e, como amiga, foi consolá-la.

Era difícil compreender esse mundo, tentou ter uma paixão, mas não podia porque era "magra". Tentou ter uma irmã, mas não podia porque ela era "magra".Tentou ter uma grande amiga, mas também não rolou, talvez porque a amiga era gordinha, ou porque a Betinha gostava de meninos que não gostavam de magras (que confusão!). E Joana pirou. 

Realmente tudo deveria terminar em cinzas, era tanta loucura, tanta incompreensão que era melhor ela abandonar aquela Teoria dos Gigantes e preferir que tudo acabasse em pó, pois não aguentaria viver muito tempo ao lado de gigantes, ainda mais para quem fosse magra.

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Já piramos...

Estava um dia desses passando por uma rua do centro daqui, quando o Tiago falou "Olha, o carro do ‘Fulano’". Que saudade que me deu desse nosso amigo, que há anos dividiu com a gente um grupo de amizade que até hoje me tira bons momentos de nostalgia.

Começou engraçado, um grupo do Nazaré que passou uma parte para o Sophos (aí que eu entrei), juntamos amigos de uma lado, namoradinhos de outros até se formar o grupo.

No começo eu era única mulher oficial, fora as valetes (cartas marcadas), lembro um dia em que eles se enjoaram de papinho de mulher, TPM e resolveram ir para Mosqueiro. Só os "brothers" (sim gente, era essa intenção. Ter um título tosco mesmo, piada interna), quando metade deles já estava indo para lá, ligaram para o Tiago e disseram "não esquece de trazer a Vivi", e lá fomos nós, só os brothers, beber uma garrafa Black Label, fumar, contar vantagens e histórias bizarras, coisa de adolescente mesmo.

E como a gente se divertia! Era sempre uma invenção. As idas a Mosqueiro ou Salinas. As primeiras raves, aniversários... Até de 15 anos, da sobrinha do porteiro do prédio de um dos amigos. Lembro que nesse dia a festa era atrás do Mercado de São Brás, mas o único ponto de referência era um puteiro, chamado de "Rupinol". Adivinha para quem ficou a missão de perguntar aos motoristas de táxi onde era essa recepção?

Esse mesmo porteiro, certa vez, emprestou o carro pro Dani ir a uma rave. Lá estou esperando meus amigos, quando o Bernardo parou com seu Corsa pra me pegar e por trás do Corsa, chega um Fusca. O Daniel desce de lá e fala "O meu até bebida tem!". Nessa ele escala um balde daqueles de prédio, sujo de tinta e reboco, com gelo e váaáárias Smirnoff Ice. E aí, vais no Corsa ou no Fusca?! Nesse dia eu desci com uma saia curtinha e rodada, toda feliz. " E aí? Que tal?". Todos adoraram e Dani disse: "Mulher que usa saia assim quer pegar dedada" .Hahaha! Eles eram foda, adoravam fazer a gente passar vergonha, com direito até de se fingir de nosso namorado só pra nos deixar envergonhadas.

Eles se divertiam muito às nossas custas ("as minas"). Uma vez, pegaram a Gigi, por ser muito magrinha e pequena e a colocaram dentro de uma mala. Com direitos a fotos da mala aberta e fechada!

Tudo era muito bom. Os terraços de prédios no centro da cidade. As idas ao aeroporto. As fotos e vídeos engraçadíssimos. Os filmes. As viagens. Tudo. Os carros tinham nomes, a gente também passou a ser equipe "Japirah".

Sempre falávamos que nunca iríamos nos afastar, que diferente de outros grupos, estaríamos longe de intrigas e brigas.

De fato, nunca brigamos, mas um namoro de um, a viagem de outro e todos os motivos mais de vidas que se cruzam, mas que voltam a ser paralelas, nos afastou. Sempre que nos encontramos falamos de estabelecer esse reencontro. Eu digo que desde o início dessa distância, tudo que eu mais queria era isso.

Até hoje.

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