terça-feira, 23 de setembro de 2008

Fumando no banheiro

Do convidado Mauro Moura

 

Naquela tarde de quarta-feira, não fazia tanto calor como em outros dias, o que tornava o clima agradável, o que é de se espantar, em se tratando de Belém do Pará; encontrava-me relaxado, exercendo o prazer de saborear o mais mortal vício existente em meio àquele ato involuntário que todo ser humano normal faz diariamente, ou seja, fumando no banheiro.

Percebo que, naquela exata hora, estava eu, absorto, naquele trono branco e solitário, sentido um sossego intenso, uma total ausência de preocupações e anseios, experimentava minha mente livre de todo e qualquer pensamento, que não fosse o prazer mortal de tragar aquele cigarro de qualidade duvidosa, o que me dava uma confortável sensação de clareza.

Em tal instante, busco tirar proveito dessa breve ausência de parcialidade e tento visualizar algo interessante sobre posturas tomadas e coisas ditas importantes, aquelas que consomem em grande parte nossos pensamentos.

Ausente de paixões e preocupaçoes, longe da agenda quase sempre lotada de compromissos e de clientes sempre exigentes; começo a divagar sobre questões existenciais, percebo que o ser humano é tão igual ao outro por mais que ele se esforce em provar o contrario, vejo que somos sós e um universo em nós mesmos, tamanha nossa complexidade; Deuses em potencial, pois ninguém há de duvidar que a divindade esta presente em cada um de nós, permitindo-nos criar e destruir com igual maestria.

É difícil enxergarmos isso no próximo, pois estamos tão concentrados nessa corrida maluca em busca de acumulo de posses, que esquecemos de ver a diversão naquilo que nos é dado de forma gratuita pelo universo; pois o pôr-do-sol ainda está ali aguardando a sua atenção naqueles minutos grandiosos, mas estamos muito ocupados para isso, vendados lamentando que o dia é curto para tantos compromissos...quanta bobagem.

A vida está aí, esperando para ser desfrutada, rápida como o inesperado sopro derradeiro, passa pelas nossas mãos entorpecidas, incapazes de sentir sua magnitude, pois estamos ocupados demais para vivê-la, temos q seguir a rotina diária de sacrifícios para alcançar o sucesso, pois o mundo é dos vencedores...que.

É necessário buscar momentos diários de lucidez, fugindo da repetição tediosa da rotina estressante, precisamos de tempo para reorganizar as idéias, arrumando a casa para novas visitas, novas idéias que entram como o sol revigorante da manhã silenciosa, abrindo os olhos para aquilo que sempre esteve à nossa frente, mas estávamos sem tempo em nossas agendas.

Percebo ainda, que momentos como aquele, em que nos encontramos totalmente nús, devem ser dotados de alguma significância, no sentido de aproximar o exercício da reflexão, buscando visualizar respostas para os nossos anseios, olhar no espelho e encarar as imperfeições do corpo e do caráter, tendo ainda que encontrar paz de espírito diante de todo esse conflito que nos ronda minuto a minuto: a busca de sucesso, uma família feliz, um par satisfeito e uma carreira sólida.

O problema, é que nos ensinaram que tudo tem um preço, pautamos o ideal de felicidade em conceitos pré-propostos de satisfação garantida, o que nos coloca dentro de uma corrida incessante na busca dos bens materiais, que terão a ingrata missão de preencher o vazio inominado; a frustração na permanência do vazio é quase sempre a rota certa. O bem almejado, não nos rendeu aquela sensação plena de felicidade, estampada de forma tão sincera no rosto da moça que aparece no comercial. Fomos enganados!

Insaciáveis, somos arrebatados por outra promoção de felicidade, essa mais completa e sofisticada que a anterior, tecnologia de ponta e tem o detalhe importante, compro um e levo dois...

 Coitados, eles pensam que os adornos de fora é que são importantes, esqueceram de olhar para dentro; quando o fazem, percebem que ainda não temos promoções de abraços, vitrines de amizades sinceras e respeito ao próximo, estoques lotados de amor que poderão ser adquiridos a preços módicos nas casas Bahia; acredite ... isso não se compra. 

É certo meus caros, que devemos exercer a busca pela lucidez, não tema em ser a ovelha rebelde que abandona o rebanho, busque também os adornos da alma, adquira mais a ética e o respeito ao próximo, cultive o sorriso gratuito que abre portas inesperadas, faça o bem; conjugue o "ser", fuja dos conceitos massificados, da ditadura da magreza, aja com prudência e permita-se, experimente.

O cigarro acaba, dou a descarga, vejo que estou atrasado, tenho de vestir meu terno e voltar ao mundo real; mais vou tranqüilo, com a sensação de dever cumprido.

2 comentários:

Rodrigo disse...

Texto muito bem escrito.
Parabéns !!!

23 de setembro de 2008 às 20:28
carolinabarata disse...

Não conhecia essa versão escritor do Mauro.
O texto tá legal.

:)

24 de setembro de 2008 às 05:26

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