quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Reunião

     



 Por Sofia Brunetta

    


 


         Sempre foi uma mulher moderna. Muito do ar de arrogância que algumas pessoas sinalizavam vinha do fato de que no fundo ela sempre esteve sozinha. Para trabalhar, para ganhar a vida, para chorar, para reclamar: encontrava consigo mesma do outro lado, a imagem refletida enxugava as lágrimas e vida que segue. Era o lema, a verdade para ela. O restante vinha das aparências, de estar em evidência, mesmo nos dias em que, caneta  aparando as melenas, ela queria distância do mundo.Sempre esteve cercada de gente, desde a época em que a família barulhenta se reunia: era preciso gritar os direitos, as opiniões.Agora, por mais que deseje, ela não pode alterar o tom de voz. Não é de bom tom.


        A vida pessoal virara uma extensão da profissional dedicada: urgência, velocidade, praticidade- “Vamos conseguir! ( fator motivacional ao parceiro)”-“ Chegamos a um estágio em que nossos interesses não estão alinhados”( fim de namoro). Dia seguinte,  tudo dentro da conformidade, atendia aos telefonemas, sorria, respondia com o “Tudo bem, obrigada. Vamos aos resultados.”o usual.Um dia encontrou com ele. Já havia visto outras tantas vezes, lançou o sorriso com que sempre conquistou fornecedores e parceiros, ele retribuiu com uma piada descompromissada e ela devolveu uma risada sincera, desta vez. Conversaram muito mais que o habitual. Em tempos virtuais, ela lia e-mails e recebeu um dele: trabalho a fazer, preguiça, perguntou sobre ela, ninguém nunca queria saber de verdade. Resolveu responder sinceramente. Ele ligou pra saber mais. Surpresa maior, ele estava ali, a muitos quilômetros de distância, trazendo pra perto um mínimo de amizade. Ela resumiu muito, objetiva como sempre. Mas desligou outras vezes mais, e a medida que as conversas se prolongavam ela percebeu que- sim! Havia vida ali. Quando se encontraram, não havia agendamentos, aconteceu. Despida dos jogos de conquista, dos entraves que a sociedade cria e as mulheres obedecem, resignadas. Não importava. Ela estava onde queria estar. A salvo de suas considerações e colocações tão práticas. Expôs a verdade. Ele parecia ouvir.


      Dias depois, ela quis repetir, mas não a cama. Queria contar para ele o bem que havia feito, o quanto esteve a deriva de suas emoções antes dele e sim, se ele quisesse, ela estaria lá outras vezes.Contou de seu encontro com cachoeiras, tão particular e secreto e a forma como conseguiu relaxar dos prazos do trabalho, entrar na água, sentir o sol. Queria dividir com ele mais que os fluidos, falar de sua alma, contar estas experiências banais e o quanto isso podia ser divino, afinal. Ele havia passado por ela, ajudado com a mudança. Ela queria que ele se sentisse parte disso. Ficou evidente depois da conversa, que a experiência a ser repetida eram os lençóis, variações, nada além disso. Desligaram.


       Ela se sentiu só. Arrumou o penteado, sentiu os sapatos apertarem um pouco mais. Estava só, não havia novidade, não seria a primeira vez. Mas desta vez, estava sem defesa. Nenhum argumento lhe pareceu necessário. Chorou, desta vez mais alto, forte. Precisava expulsar ele de dentro. Do coração. Dos pensamentos.


Ali, refletida, sua amiga de todas as horas cobrava uma resposta: porque estava submetida a isso? Deixaria o descontrole tomar conta de sua vida que sempre seguiu alheia a existência dele? Enxugou o rosto, as idéias. Sentiu correr o sangue. Ele lhe devolvera as lágrimas. Era o melhor que poderia fazer por ela. Se Finito.


       Tempos depois, refeita, percebeu que estava mais bonita, serena. Encontrou com ele em uma de suas visitas a cidade. Ele não disfarçou a surpresa e tentou marcar um encontro, qualquer dia, qualquer data, pra cerveja ou um café. Agradeceu, com verdade. Seguiu em frente. Sozinha, ao encontro de sua melhor companhia. Ela.




 




 


        

4 comentários:

vivi disse...

Como sempre, adorei. E acho que entendi tb.
Concordo com a amiga que peguntou isso.

Quero te ver, bura trocar msn?

=*

21 de agosto de 2008 às 05:01
moara disse...

eu me identifiquei um pouco com o inicio desse texto. "Sempre esteve cercada de gente, desde a época em que a família barulhenta se reunia: era preciso gritar os direitos, as opiniões".

hahahah!

Lembra de como é a minha familia Brasil?

belo texto amiga

amo-te

21 de agosto de 2008 às 15:41
Mayra Jinkings disse...

Eu gosto do jeito que escreves. Nao é pedante e mostra amor a ti.
Nao é desesperado, é maduro. Nao é infantil e nao é histerico. Sabes do que eu to falando? Nao histeria como conhecemos, mas em relaçao às mulheres histericas freudianas.
Completando o texto da Lora sobre ser "chato", que acho a verdade é que é valido demais ser intolerante e ter preguiça de gente ridicula e desesperada porque selecionamos as pessoas e antes de mais nada, por favor, temos esse amor gigante por mulheres que sao do caralho (mas so as de verdade, por favor, hein... sem histeria!) pelo que se tornaram, pelas conquistas, pela independencia, pelo ser mulher e ao mesmo tempo por assumir que ser forte, mulher, contemporanea e inteligente nao significa nao sentir. Significa assumir que somos humanos pela diferença do sentimento e a manifestaçao do saber, como diria Marx. Somos mulheres modernas porque sabemos conciliar o ser moderna, atual, trabalhadora com sentir. Isso é moderno!!! Fruto de conhecimento empirico e cogniçao metafisica, posso assegurar que nada supera o AMOR em suas variadas formas (familia, amigos e relaçoes – porque é moderno assumir que precisamos de carinho, desejo, paixao e sexo – se for com amor melhor ainda!) na maneira de nos tornar humanamente felizes.
Felicidade é isso pra quem nao sabe... E como diria também Graciliano Ramos “Comovo-me em excesso, por natureza e por ofício, acho medonho alguém viver sem paixões." E todo esse amor começa dentro da gente... E’ é incrivel como a gente exala esse amor, né? Nao precisa gritar ao mundo que defendes uma filosofia que nao consegues seguir à risca ou, na verdade, segues pelo avesso, sabes como é? Isso torna as pessoas ridiculas e repugnantes. E contigo é exatamente o contrario... tas ai, linda, linda, linda! Mais linda que nunca! Ainda mais nas fotos da cachoeira. Eu vi! O encontro contigo ja é o melhor de todos ( e de verdade, sem fingimento da tua parte) e a partir dai, tens o mundo em tuas maos.
To feliz que vou te ver.

22 de agosto de 2008 às 07:23
Small disse...

Nunca fui de comentar aqui, sempre vinha, lia e ia embora... Mas ultimamente seus textos têm me impressionado bastante e eu acabo não me contendo. Penso que estar sozinho significa ter a oportunidade de ser feliz sem precisar de ninguém, estar sozinho te dar uma serie de possibilidades Sofia...

Abs

22 de agosto de 2008 às 07:26

Postar um comentário

 

©2009ohvarios | by TNB