sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Conexão


Por Sofia Brunetta


 


“ E eu vi o mundo todo em cor e nesse mundo há você.”


                                                          (Vinícius de Moraes)


 


      Estavas como me acostumara a perceber: o dorso forte, estruturado, ombros altivos, camisa pólo verde escuro que eu sempre achei pessimista. Vestes para viagens a trabalho e sempre que te afastas do mundo que criei para nós- parte de minha natureza feminina- penso que talvez não regresses. Neste momento, crio um drama de nossa vida infeliz e as pessoas de nosso convívio se acostumariam a meus arroubos feministas quando de nossas brigas infantis.


     Não recordo de quando começamos, mas se fechar os olhos, sinto cheiro de café e alcaçuz. Nunca provei alcaçuz, respondo de pronto-alheia ao fato de que detestas que eu não te deixe falar- mas é o gosto do que me for conveniente. Me entregas o silêncio, de costas para os meus pensamentos. Continuo a leitura que iniciei a pouco mais de quinze minutos, quando recebi o sorriso galanteador do vendedor da livraria que visitei, uma de minhas tentativas de que percebas que estive ali a tão pouco tempo, que poderias sentir minha ausência repentina.


     Tuas sardas na nuca, o cabelo acertado a fio de navalha. Perfeito nos detalhes. O suficiente para garantias de uma vida de tédio e melancolia ao teu lado. Exclamaria minhas lamúrias tal como as cantoras dos boleros antigos, que acalantavam os sonhos das putas e pouco trazem à memória das damas imersas na sua solidão profissional. Moderna e blasé.


    De mim nada queres. Não me enxergas com olhares desconhecidos, curiosos, sacanas, do tipo que arrancaria roupas e gemidos, me fariam sentir viva, afinal. Me esforço um pouco mais, e consigo enxergar os contornos dos lóbulos,sapatos e meias com cores rigorosamente iguais, os dedos longos,acusando minha libido fora de tempo. O tempo, este inimigo dos grandes amores.


     Tomo fôlego e coragem, sigo em tua direção, num ímpeto de desobrigação do orgulho mínimo. Levantas, organizas tuas malas, as idéias. Partes. Sem que eu saiba o teu nome, sem vivermos os dissabores da nossa rotina. Que cores terão os teus olhos? Cinza de aeroporto, respondo intimamente, conformada. Trago à lembrança um verso solto de um daqueles boleros: “Partes sem que eu te deixe um beijo, foges do meu desejo de encontrar contigo para saber mais de mim.” Empoeirado e démodé. Doce como cheiro de alcaçuz. Apressado e lento. Ritmo perfeito para embalar as saudades do amor que não vivemos.


                             ...


    Na esteira, observo uma vez mais: barba por fazer, cabelos displicentes, típico de tua personalidade forte, passional. Partidas, chegadas, ruído de saudades, encontros e despedidas. Prenúncio do novo amor.

2 comentários:

moara disse...

e encontros e desencontros. ai esses amores!
=]

13 de agosto de 2008 às 07:26
small disse...

Ainda vou descobrir de onde vc tira essas coisas...
É fascinante e empolgante ler vc!
Bjs

13 de agosto de 2008 às 17:14

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