quarta-feira, 12 de março de 2008

Procura-se amigo homem

Por Anna Carla Ribeiro

Sabe, acho que eu preciso de um amigo homem. Não que eu não tenha, muito pelo contrário, meus amigos são tão presentes na minha vida quanto as minhas fantásticas idéias geniais de adquirir novas amizades. É que eu preciso de alguém do sexo oposto novinho em folha pra contar o que os meus velhos amigos já estão carecas de saber: que eu odeio azeitona, que eu comia adoçante debaixo da mesa da vovó, que o meu nome tinha que ter sido Ágatha. Preciso de alguém para divulgar toda a saga desastrosa e irônica que é a minha vida amorosa. Preciso ouvir o som das gargalhadas dele ao saber que eu já namorei um “cabelo de samambaia” com cara de artesão de durepox e que ia me buscar de patins e moletom ao meio dia de uma segunda-feira em pleno sol escaldante de Belém do Pará. Preciso ouvir um “que idiota!” quando eu contar que aquele egocêntrico, baixinho, que me fazia querer ter a fórmula do desaparecimento quando dançava reggae, resolveu dar em cima de uma amiga (minha!) na frente de todos os meus colegas de trabalho. Preciso de ouvidos másculos para ouvir as minhas velhas piadas, as minhas novas crenças e o meu CD novo do Ludov.
Não, eu não estou com problemas. A cada dia que passa me sinto mais inspirada para dar aquele salto da cama quando acordo, mesmo sendo uma maníaca mal-humorada às 7 da manhã. Muito bem resolvida. Acho que pela primeira vez na vida estou bem comigo, com o meu começo de carreira bem-sucedido, com as minhas adoráveis companhias diárias, com os meus finais de semana, com o primeiro “eu te amo e tenho orgulho de ti” que pude ouvir do meu pai, com a minha barriga e meu cabelo. Eu realmente estou me sentindo foda por ter conseguido enterrar uma semente de velhas mágoas naquele quintal de fitas de cetim. E, sabe-se lá Deus porque, pude colher uma auto-estima forte e renovada, com aquele cheiro de eucalipto que surge pela manhã. Pela primeira vez eu não pretendo socar uma paixão na outra, como se a minha companhia me assombrasse mais que a própria solidão. Não, nada disso. Cresci, amadureci. Não tenho planos, nem amores, nem discussões, nem assuntos mal resolvidos. Não devo nada a ninguém e ninguém me deve nada. Quer dizer, me devem alguns trocados, mas deixa pra lá.
Preciso de um novo amigo justamente pra compartilhar este momento de pura alegria, porque me sinto feliz mesmo quando não tenho motivos. Preciso contar as minhas histórias, devaneios e ironias para ele anotar tudo mentalmente e me lembrar depois. Quero um amigo que seja só amigo, como os meus amigos. E então, surge a pergunta: porque Diabos eu quero um amigo e não um grande amor de contos de fadas?
Bom, primeiramente eu quero deixar claro que a cada dia que passa acredito mais no amor. Não estou passando por nenhuma fase traumática que tenha me feito desacreditar que existe, em algum cantinho escondido, o tal do homem da minha vida. Mas de tanta ansiedade, procurei-o em muitos outros, que nem de longe poderiam ocupar tal papel. Coloquei a carroça na frente dos bois e acabei me atropelando. O fato é que eu tenho 22 anos e cinco dias, uma tonelada de sonhos nas minhas costas e nem todos são destinados a tal criatura divina que irá me suportar pelo resto dos seus dias.
Confesso que tenho medo. Minha alma anda tão serena que estou fechada pra balanço. Me coloquei dentro de um baú e o lacrei com ferro fundido. Quero me curtir assim, pelo menos por um tempo, e uma nova grande paixão poderia estragar tudo outra vez, e me fazer roer as unhas que já estão até crescidinhas!
Tudo isso até eu encontrar alguém que faça valer a pena. Mas quem?!
Ando cansada dos malucos e de suas maluquices e bizarrices que em um primeiro momento me soam como engraçadinhas. É tudo uma questão de profundidade, ou melhor, de intimidade mesmo. Não agüento mais anarquistas frustrados, parentes do Che Guevara e todas as suas revoluções verbais entre um baseado e outro no quartinho dos fundos da casa da avó. Ora, cale-se! Quer combater o sistema? Então primeiro pare de ficar parado só dando um balão pela cidade feito o canguru da Radiolux e saia por aí mostrando o seu potencial e ganhando espaço neste mundo capitalista para expressar as suas opiniões. Esqueça o saco que não pára de ser coçado e vá procurar um emprego. Que o mundo é injusto e cruel, todos estamos carecas de saber. Mas eu é que não vou ficar careca de tanto arrancar os meus cabelos todas as vezes que algum ser utópico resolver passar a tarde inteira falando mal dos Estados Unidos, mesmo nem sabendo o que é CPMF. Sou muito pé no chão pra eles.
Se dos malucos, que já sou craque em lidar, eu tenho medo, dos boyzinhos eu tenho pavor. Antes eu era ruiva, com um ar de coadjuvante de filme Cult, que estagiava numa rádio alternativa. Nenhum deles me olhava. Hoje eu continuo tendo as mesmas atitudes, só mudei de emprego e pintei o cabelo de loiro. E então, eles foram se aproximando com seus uísques importados, suas baladas em boates com outras fêmeas clones do meu cabelo. E é justamente assim que eu me sinto perto deles, mais uma fêmea oxigenada parecida com outras milhares de fêmeas oxigenadas que passam a noite inteira sentadas numa mesa de bar sem qualquer expressão. São seres desconhecidos, indecifráveis pra mim. Duvido que eles me aprovariam bebendo um Johnny Black na boca da garrafa e dançando freneticamente em cima da cadeira junto com as minhas amigas frenéticas. Não, definitivamente sou muito doida pra eles.
Ainda tenho medo dos mais novos porque não tenho paciência pra ser mãe de ninguém. Os mais velhos, por sua vez, estão sempre com aquela expressão de que sabem de tudo e me enchem de medo. Tenho medo dos sem grana porque é um saco ter que pagar tudo sozinha, e pânico dos com grana pelo constrangimento de não pagar nada. Tenho medo dos artistas, fotógrafos e todos aqueles que conseguem passar três dias se alimentando de luz solar e ficam a noite inteira em postura de lótus contemplando a lua porque a lua é linda, a natureza é linda, viva Jah, os cosmos, os alimentos orgânicos e as práticas orientais.
E os críticos sabe-tudo, que não vão ao cinema porque falam mal de todos os filmes que não são do Almodóvar, discutem a madrugada em bares pré-históricos sobre a guerra da Bósnia e preferem a bunda da Hebe Camargo a da Juliana Paes? Eles criticam tanto tudo o que aparece diante de suas fuças carregadas de um espírito suíno que eu não consigo parar de criticá-los. São uns chatos de galocha, uns chutes no culhão, pés no saco. Ah, odeio críticas. Desses eu não tenho medo não, eu tenho é raiva mesmo!
Tenho medo de rapazes que marcam um primeiro encontro no cinema. Eu sempre fico sem graça, tropeço no lixeiro, me engasgo com a pipoca, vou ao banheiro no meio do filme retocar a maquilagem e quando volto, fico meia hora procurando a cadeira onde estava sentada. Eu travo demais. Já nos primeiros encontros naquele barzinho ultra desembaraçado, entre um chope e outro, me bate aquele medo de ir embora todos os meus medos e eu fico com pânico de começar a falar todas as asneiras que passam pela minha cabeça. Eu destravo demais.
Sobram então aqueles seres indefinidos que querem te conhecer no meio da festa e te olham nos olhos (do cu) porque acham que só porque você está se divertindo numa noite de sexta-feira depois de uma semana cheia de trabalho pesado, você está afim de onda ou deve estar na seca (nem preciso dizer o que sinto por eles). Tem também aqueles seres legais que já te conhecem, sabem dos teus gostos, defeitos e qualidades, e por isso mesmo dão aquele medo de encará-los de outra forma e acabar perdendo uma boa amizade.
Por último, tem os homens armários que sempre se esbarram em mim em algumas festas que eu vou pra reafirmar que não tenho preconceito. Eu tenho mais medo das fotos sem camisa e gel no cabelo que eles colocam no Orkut do que propriamente deles. Dos jornalistas, escritores, e todos aqueles seres charmosos envolvidos de alguma forma com a literatura, que bebem um chopinho, tiram graça do próprio intelecto e possuem uma lábia poderosa, ah, desses eu tenho medo. Medo de mim quando estou perto deles. Medo de esquecer todos esses medos que se multiplicam em outros milhares de medos e me tornar medonhamente apaixonada.
Ah não, não quero mais tantas náuseas enrustidas de novo. Procura-se um amigo homem, por obséquio.

7 comentários:

moara disse...

"aqueles que conseguem passar três dias se alimentando de luz solar e ficam a noite inteira em postura de lótus contemplando a lua porque a lua é linda, a natureza é linda, viva Jah, os cosmos, os alimentos orgânicos e as práticas orientais."


heaeaheahhae! Meu deus, estou sentindo tudo isso

nojinho e abuso, não é nem mais medo, eu ando evitando de tudos e todos.

vamos concluir aquele plano de ir embora daqui?vamos?Rio?

ehehe

12 de março de 2008 às 10:56
lora disse...

foda-se é só o que eu consigo te dizer

(L)

égua, quero repetir todas as tuas palavras, cada parágrafo em uma fase.

13 de março de 2008 às 07:03
Tay disse...

Aiiii amei esse texto!
Fantasssstico!!!
Me imaginei em varias situacoes e em varios lugares. Me coloquei no Biruta, com uns galas secas metidos a alternativos (nojo!). Me coloquei no Casa Blanca (hj Prime, ou sei la q porra q se transformou) com um bando de feios, bombados, pernas de sabia e q se acham os mais lindos do mundo. Me coloquei no Solamar com um bando de hippies fedorentos e cheios de artes sem gracas p/nos mostrar. Me coloquei em Algodoal com aqueles revolucionarios q so ficam no Renato pq a praia da Princesa "so tem mauricinhos", eles dizem.
Fodam-se todos!!! hehehehe. Vamos nos amar primeiramente e sermos muito felizes com nos mesmas ateh q surja um "amigo homem" interessante.

Beeeeijos, bichas!

13 de março de 2008 às 07:16
ALFREDO disse...

Caramba!!!
Quando vi esta menina (a autora) no quarto de um amigo, matando-me de trabalhar numa madrugada nenhum pouco acolhedora, nunca imaginaria que com aquele jeitinho de menina e voz de menininha que ela escrevesse tão bem.
Lindo texto!
Bjks!

14 de março de 2008 às 10:28
O Movimento disse...

[...] Procura-se amigo homem Por Anna Carla Ribeiro [...]

18 de março de 2008 às 11:50
Lucas disse...

Já tinha ouvido falar no blog de vocês, mas uma boa conversa, hoje, com "uma ser" iluminada de alcunha "LORA" me encorajou a ler o blog.

Dou de cara com essa PÉROLA!

Acho que essas linhas, pra mim, expressaram bem uma fase que é comum à maioria de nós: a ruptura da fase "pós-adolescente/pré-adulta" para outra, aquela aonde realmente as coisas começam a "acontecer de verdade".

Não sei por quê, mas alguns desses questionamentos (ou todos) têm sido constantes pra mim.

Resumidamente, eu acho que a questão não reside unicamente em se livrar de rótulos, se cansar de algumas coisas, situações e/ou programações. Ou se mudar o jeito de ser, se vestir, ou etc.

Acho que o lance agora é que procuramos ser apenas pessoas normais. Que nos vestimos não de camiseta de banda por que gostamos de heavy metal, mas da forma que achamos confortável. Que falamos do jeito que dá na telha. Que, agora, abolimos todas essas "galhofadas" que, antes fizemos parte. Que simplesmente esses "tipos" de pessoas que, antes ficávamos tentados a nos aproximar, agora parecem estranhas ou avessas demais àquilo que queremos ser para nós mesmos...

Temos medo dessa transição. Por isso, uns a adiam tanto (como eu adiei, e até mesmo em alguns aspectos, vivo adiando). Não só temos medo de ser aquilo que achamos melhor para nós, agora. Muito desse medo se deve, também, ao fato de que poderemos causar estranheza ou nos tornar "normais" demais para queles que nos rodeiam e se acostumaram concosco num momento anterior.

Tento assimilar que tais medos fazem parte desse tal "processo de ruptura". Que antes de ficarmos aflitos em relação ao que nos tornaremos e que como as pessoas irão lidar com isso, devemos decidir, agir e conduzir nossas vidas conforme for melhor pra gente.
Só estando em paz com nós mesmo (ou conosco, sei lá) e respeitando aquilo que decidimos para nós, é que seremos compreendidos...

Belo texto, Anna! Bacana, mesmo!

Desculpa a viagem aí, esse enrolê que eu escrevi. Quem me conhece e sabe como sou, acho que deverá entender.

Lucas.

18 de março de 2008 às 12:34
Carol Barata disse...

O fato é que de tanto medo desses medonhos todos, conhecemos pessoas maravilhosas e adivinha? os transformamos todos, até os que levam nota 11 (numa escala de 1 a 10) no quesito gó fritagem, em amigos.

Amigos homens eu tenho aos montes, juro. Amigos mesmo, de confidências, de saber que odeio que me irritem com papo furado de "parar de fumar" e coisas do tipo. Pessoas que não precisam de manual de instrução para saber lidar comigo e isso é tão gratificante.

O problema é que cadê O Cara, né?
hahahahah

Não necessariamente que isso seja problema...

adorei o texto.

bjs, ohvariana.

24 de março de 2008 às 10:30

Postar um comentário

 

©2009ohvarios | by TNB