quinta-feira, 26 de junho de 2008

Metamorfose, a mutação não-evoluída

Por Aimée


Ela chegou voando e como é de seu costume, se instalou no canto que queria. Eu simplesmente fui me adaptando a ela. Primeiro, deixei de passar para o lado direito do meu quarto, que era o cantinho dela. Bem, até quando eu ainda desse conta de entrar no quarto, ainda rolava da gente conviver pacificamente.



Durante o dia, enquanto eu estava no trabalho, ela nem dava as caras ao mundo e muito menos a mim, o que me deixava numa inquietude estranha. Não saber onde ela estava me causava calafrios. "Meu Deus, por onde ela andará? Será que num belo dia vou chegar e encontrá-la mortinha da silva, em cima da minha cama, no tapete do banheiro, jogada num canto qualquer do chão??? Oh, céus!".



E seguimos essa rotina de só nos vermos a noite. Ela, sempre me causava susto quando adentrava o mesmo recinto que eu estava e por sua vez, eu morria de medo de denunciar que ela estava lá, escondida em meio as minhas coisas, ao meu quarto. Me contaram uma vez que, para o Budismo, as almas menos evoluídas voltam como insetos. Desde esse dia, tenho medo de matar formigas, abelhas e pernilongos. Valha-me Deus, já pensou o caos no Cosmo que eu causaria? Até hoje, olho para uma formiga carregando uma migalha qualquer e penso que esse é o meu futuro se eu não respeitar as bichinhas.



Pois bem, eu estava sem saída. Não tinha nem para quem contar que agora eu tinha hóspede, ou sei lá como eu poderia chamar aquela barata voadora que andava pelo meu quarto. No início, não passava de uma simples barata. Depois, saquei qual era a dela: voadora! Aquela merda de espírito não-evoluído encarnado numa barata queria planar vôo em meio ao meu ambiente de descanso. Um verdadeiro absurdo.



Teríamos que fazer um trato. O lado direito era dela, tudo bem. Essa podia ser uma cláusula nossa. Mas aí eu exigiria uma noite de sono tranqüila, sem que ela aparecesse do nada enquanto eu estivesse vendo tv. Será que aquele bicho não era nada do que eu pensava? De repente, na verdade, "ela" poderia ser "ele"... Ele, o Barato. Ele poderia ser uma pessoa que virou uma barata. Kafka! Sim, a tal Metamorfose de Kafka.



Pensei muito. Refleti profundamente sobre todas as causas dos insetos existirem e além do Franz (Kafka) lembrei também da Mira Sorvino. Como era mesmo o nome do filme? Hum... acho que Mutação ou algo assim. Sei que a pesquisadora de insetos interpretada pela loira caia numa arapuca das baratas, no esgoto de Nova Iorque. Não, você não leu mal. A arapuca era das baratas. Elas, simplesmente passaram por tantas mutações e devem ter comido muitos alimentos transgênicos, com agrotóxicos ou muito feijão quando crianças, que acabaram por crescer um bocado e cheias de vontade de (literalmente) dominar a tal Big Apple.



Metamorfose! Assim eu a chamei. O que faria eu com Metamorfose, a barata que tinha se tornado minha colega de quarto? O Budismo e o Kafka me fizeram ter medo de matá-la. E eu não via mais como conviver pacificamente com aquele ser. Eu já dormia sobressaltada. Virava na cama e ouvia o bater de suas frágeis asinhas pelo nosso quarto, mas não a enxergava. A danada era esperta. Provavelmente, Metamorfose enxergava o vidro sombrio de Raid que permanecia no nosso criado mudo. É difícil trazer paz para uma relação onde não há confiança mútua. Muito complicado mesmo.



Não posso dizer que não operei grandes mudanças na minha vida depois que Metamorfose e eu passamos a conviver. Eu simplesmente deixei de comer no quarto e sequer na cama. Nem pensar! Passei a não deixar copos d'água ao lado da cama para que a barata não morresse afogada. Era preferível que eu morresse de sede do que correr o risco de pegar um copo de água e sentir coceirinhas na boca, não é? Escovo sempre os dentes antes de dormir e lavo as mãos agora, afinal se me lembrei de Buda, Franz Kafka e Mira Sorvino, porque deixaria de lembrar dos conselhos que minha vózinha me dava sobre as baratas: "Escova os dentes e lava as mãos antes de dormir senão elas vêm te roer".



Bem, agora já tendo conseguido sugar da minha relação com Metamorfose tudo de bom que ela poderia me oferecer, enfim, chegou a hora do adeus. Tento não lembrar com tanto afinco desse dia, mas tenho quase certeza que eu estava de TPM e o pior, me dói saber que "Metax" – como carinhosamente a apelidei – não tinha nada a ver com meus hormônios. Mas enfim, a hora chegou: cheguei em casa, cansada, entrei no quarto e lá estava ela, ou ele. Na minha cama com uma outra barata, ou um outro barato. Não sei, não olhei direito. Agi totalmente por impulso e nem cogitei a possibilidade daquilo me acarretar problemas espirituais.



Que desplante aquele ser ínfimo, aliás, AQUELES seres ínfimos (no plural!) abusarem da minha cama. Não conseguia tirar da minha cabeça quantas inúmeras vezes aquilo possivelmente já deveria ter acontecido. Poxa, ela não estava satisfeita em tomar conta do meu espaço, do meu medo? Não estavam mais sendo suficientes as minhas migalhas a ela? Provavelmente, não.



Sem raciocinar, peguei o inseticida e vi a morte daqueles seres profanos chamados baratas voadoras. Até hoje, me dói pensar em quão sofrida foi a tortura, a morte lenta que Metamorfose teve. Ás vezes, me pego pensando se o que me aguarda é esse inferno dos seres não-evoluídos que ainda tiveram o desprazer – ou no meu caso, o impulso – de matar outros seres menos evoluídos ainda. Sabe Deus e talvez nem Ele saiba o que será de mim. Só sei que foi assim. Ponto final. Tchau, Metamorfose.

2 comentários:

Cássio Marins disse...

Mata logo esse bicho! Se você ler com cuidado A Metamorfose, vai perceber que em momento algum ele diz que é uma barata. Mais para o final a empregada doméstica o chama de rola-bosta, o que pode ser uma referência a um tipo de besouro. Droga, fiz um comentário sério demais para um post divertido como esse.

30 de junho de 2008 às 18:43
Ami disse...

Metamorfose!? Ummm... Barata? Só faltou a trilha dos Inimigos do Rei... Oq me faz lembrar outro inseto... Moska!

14 de dezembro de 2008 às 10:54

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