segunda-feira, 14 de julho de 2008

Quem te inventou fui eu

Por Lunna

Pela primeira vez não consegui te olhar nos olhos. Não dava pra ver. Era feio demais, tu me parecias feio demais, tive medo de me assustar. Baixei a cabeça para nunca mais te ver, e assim espero, de verdade, que sumas do meu caminho como uma pedra arremessada no fundo do rio. Ver-te me dói, me assusta. Cresceste como um golias capaz de me devorar de raiva, de mim mesma. E que as correntezas do tempo façam passar esse aperto que eu sinto de tê-lo perdido. Não falo de você, amor. Falo do tempo.

Não podia ser. Onde é que se enfiou aquele menino que me fazia completar os mais belos dos sonhos? Aquele que de tão cheio de princípios, de bondade, de risos e carinhos me fazia sentir tão menos? É, amor. Eu me sentia uma desequilibrada perto de ti, tão cheio de responsabilidades no trabalho e na família. E eu, que bebo cerveja demais, que fumo compulsivamente todas as vezes que bebo cerveja, meio doida, meio cheia de opiniões, meio escandalosa, ainda minto pra minha mãe e tenho preguiça de cozinhar pro meu irmão.

Fui eu que te inventei, amor. Bolei as tuas mais belas qualidades, teu jeito carinhoso de me dizer a verdade, teu olhar triste pelas minhas besteiras, a certeza das tuas frases, o encanto dos teus fonemas. Fui eu que criei a preocupação que tínhamos de não nos magoar, de saber usar as palavras, de contornar as discussões. Fui eu que interpretei a piada que nos fez rolar de rir e desenhei os nossos olhares que mesmo distantes, se encontravam. Eu que escrevi o nosso roteiro, baseado em fatos fictícios que costumavas me mostrar. Fui eu, amor.

Derreteste a tua imagem na minha frente, e eu só pude olhar alguns segundos. Teu monstro me arrepiava e me fazia querer vomitar de decepção. Nenhuma vontade de chorar. Não foi tristeza, amor. Talvez um susto que gelou até a espinha. Um alívio também. Uma raiva de não ter te visto como és. Uma vontade louca de te devolver as mentiras e desculpas escabrosas que costumavas blasfemar. Quem tem o direito de inventar nessa história, amor, sou eu.

E agora que te enxergo com tudo o que eu mais abomino, faço dessa mágoa a transpiração de novos sonhos e te agradeço. Obrigado, amor, por ter feito tudo errado, pelas mentiras mal contadas, pela tamanha cara-de-pau que só não foi maior que a tua arrogância de sempre te achares maior que eu. Tua barca, amor, é mais furada que teus princípios, e só assim me fizeste ver o quanto a minha sinceridade prevalece. Meus erros, se é que foram erros, já foram apagados pelo martírio de meses que nem sequer valeram a pena.

Conseguiste me mostrar que sou bem mais alta do que pareço, amor. E mereço bem mais do que as migalhas que costumas oferecer. Pra desviar meus olhos da tua feiúra tive que olhar pro céu e erguer a minha cabeça de um jeito que nem eu mesma lembrava que era possível. E mais uma vez o final do desfecho foi a mais pura ironia. Tanto tempo depois, quando pensei que fosse morrer, me renovei. Tenho pressa, meus velhos sonhos continuam ansiosos e eu, mais do que nunca, quero provar de novas frutas, cantar outras músicas e contar novas histórias.

Obrigado, amor, por me mostrar que nunca existiu amor. Obrigado, amor.

2 comentários:

moara disse...

sem palavras!

só "plac plac plac"

14 de julho de 2008 às 18:41
Carol Barata disse...

"E mais uma vez o final do desfecho foi a mais pura ironia. Tanto tempo depois, quando pensei que fosse morrer, me renovei. Tenho pressa, meus velhos sonhos continuam ansiosos e eu, mais do que nunca, quero provar de novas frutas, cantar outras músicas e contar novas histórias.

Obrigado, amor, por me mostrar que nunca existiu amor. Obrigado, amor. "




Dane-se. Perfeito.

18 de julho de 2008 às 10:11

Postar um comentário

 

©2009ohvarios | by TNB