quinta-feira, 3 de julho de 2008

A Sala dos sonhos


Por Moara Brasil

Não sei. Dormir no meu quarto já nao era mais confortável. Eu lembrava de todos os personagens que já passaram por ali, desde James Dean à Jim Morrison, de Bill Gates à Quentin Tarantino (é, eu sou esquizofrênica). Aquele meu quarto era muito estranho, e agora até a lâmpada já não queria mais iluminar o recinto. Acredita?

Um quarto simples, uma cama, um lençol, uma cômoda entre quatro paredes. Uma vez eu costumava ouvir muitas vozes e passos do andar de cima, do quarto da mamãe, e de madrugada, quando ela dormia, sentia medo! Eu me escondia no lençol de algodão fino que a mamãe um dia comprou para mim. Depois descobri que isso era reflexo das minhas dores psicológicas e a minha provável doença intestinal inexistente.

O meu quarto parece aqueles de kit net, muito pequeno, terrivelmente sem espaço e sem nada atraente. Aquele quarto de empregada que todo mundo conhece.

Agora eu dormia no sofá. Já tinha dormido naquele sofá europeu umas vezes, mas agora eu dormia com mais frequência. Era mais confortável, a sala era mais atraente. Eu gosto dessa sala, do sofá antigo, da televisão grande e dos milhares de vinis naquele móvel de antiquário. Dos 11 quadros do Van Gogh e do único quadro despintado do Monet, pendurados na parede que agora era coral. Uma vez, vi a moça do campo (do quadro impressionista de Monet ), mover-se lentamente. As nuvens dançavam e era um vento muito forte, o vestido branco dela balançava de acordo com a ventania (delírios esquizofrênicos).

Eu adorava olhar para o outro quadro, o quadro das "bailarinas da playboy". Sempre o chamei assim, pois toda vez que observava-o, com uma pintura de bailarinas nuas num camarim, eu realmente ficava com vergonha de ter aquele quadro que ganhei em 1990. Lembro de quando a minha mãe disse "esse quadro é para você", e eu não me senti muito bem com isso ( ECA!).

Na época eu fazia balé, e odiava fazer balé. Odiava aqueles passos chatos, e aquele bando de meninas magrelas e metidas, cheirando à talquinho, que tentantavam ter postura no mais elegante passo. A única coisa mais legal era quando a professora colocava para a gente ensaiar: o Mozart, Bethoven, e às vezes Wagner.

Em um espetáculo no Teatro da Paz (esses que toda mãe, com todo o orgulho, tem que levar as filhas para dançar em eventos de Natal), lembro que antes de entrar no palco, tive que levar uma fila de bailarinas frescas e patricinhas atrás de mim, e eu errei. Demorei muito para entrar! E entrei no tempo errado da música, eu achei foi graça. E nesse mesmo dia, senti muito ódio do Balé. Pois o espetáculo tinha acabado mais cedo do que o esperado, e mamãe não tinha ido me assistir naquele dia, ela só ia me buscar.

Fiquei ridiculamente na frente do Teatro da Paz, de saia de filó amarela e maiô de paetês amarelos, meia calça amarela ( tudo quanto é coisa amarela brilhosa, e cheia de purpurina, que pode ter numa bailarina pirralha ). Fiquei muito tempo sozinha e esperando alguém vir me buscar! E chorei. Chorei tanto, que chegou a ser ridículo. Ao lado do Teatro existe um Bar, como conhecemos (O Bar do Parque). E lá além de mendigos, bêbados, gente estranha, tem as putas, e elas foram me socorrer!Conheciam a minha mãe de vista e até sabiam onde era a minha casa. Eu, com apenas 8 anos, sendo levada para casa graças as Putas do Bar do Parque. É por isso que eu as respeito tanto até hoje!

Voltando a sala, toda vez que deito naquele sofá, observo cada detalhe. O abajour que é uma peça também de antiquário, os livros de todos os maiores pintores do mundo, a Bíblia aberta no Eclasiastico (e eu nunca li o que está escrito ali). O tapete que foi feito pela minha tia, com todo o carinho. As almofadas delicadas, a mesa que não é nossa. A decoração do Yen-yang que está colocada numa posição horrivel na janela, protegendo apenas a rua. E os livros roubados de Direito, do amigo do papai. A Paidéia, que eu só li algumas coisas ( que nem lembro ). O quadro do Rohit, revelando o ver-o-peso, e as fotos na escrivaninha.E...uma maldita foto minha de bailarina, com o figurino amarelo, eca! Ao lado uma vela amarela acesa, para afastar as desgraças.

Todos os detalhes da sala, que eu amo tanto. A sala que recebeu muitas visitas, desde Chico Buarque à Caetano Veloso, desde aquela mulher maluca que fala gritando ( a verdadeira esquizofrênica) até aquela mulher peluda (que tem enormes pelos no braço). A sala que já foi quarto de núpcias, e de baralhos atrapalhados. Que já recebeu amigos embriagados, e já teve cheiro de vomitos pelos cantos. Dos mosquitos chatos que falavam nos meus ouvidos, e daquela "brea". Todos os detalhes, que um dia sentirei saudades. A sala dos meus sonhos, a minha sala.

5 comentários:

Cássio Marins disse...

Bom, pelos menos as putas do bar do parque foram gente boa com você. Quanto aos quadros se mecherem, tipo assim, deixa pra lá.

4 de julho de 2008 às 19:13
cruela cruel disse...

olá.

primeira vez aqui.

Vou vasculhar.

5 de julho de 2008 às 16:25
Carol Barata disse...

Eras, vi cada um desses detalhes...
E também já dividi essa sala - já dormi também, porque so tal sofá é realmente mais confortável que a cama - com outras figuras infames e com o Buena Vista Social Club, globais da novela das oito, alguns gatos felpudos e mais todo elenco de idéias subversivas/ planos para o além.
Égua, se essa tua sala falasse... ela urraria desesperadamente.

[ . que saudade, cara . ]

7 de julho de 2008 às 05:06
lucas disse...

Opa.
Já fui personagem dessa sala.
Já escutamos rock 'n roll e bossa nova lá, já jogamos baralho lá, já bebemos lá, enfim.

Belas lembranças que foram vividas dentre essas paredes em tempos passados, mas a expectvativa de outros melhores ainda que poderão vir...

Ainda ficamos de marcar um vinil revival, eu prometi levar algusn compactos dos Beatles, e o Dark Side of the Moon... Estou no aguardo.

Beijo, minha curumim favorita =)

7 de julho de 2008 às 08:35
marcela disse...

ola gostei da sua história bem criativa mesmo !! acho que se fosse trabalho de escola você tiraria acho que us 100000.00000 o mínimo hehehehe parabêns pela história

15 de outubro de 2009 às 09:44

Postar um comentário

 

©2009ohvarios | by TNB