domingo, 4 de maio de 2008

Bandolins e aquele Daime...


Esferas, Salvador Dali.

Por Moara Brasil


Ontem eu lembrei de ti, Lori. Sempre tivestes algo diferente no olhar, era misterioso, totalmente enigmático. Toda vez que ouço alguém falar do Daime, não tem como, lembro do teu rosto. Onde estás, Lori? O que aconteceu contigo, e aqueles sonhos que nós tivemos um dia de mudar o mundo, fazer Ongs, montar um bar de rock, e ter filhos roqueiros para contarmos todas as nossas experiências hippies e revolucionárias da vida? Mas tu mudastes, e eu muito mais ainda.

Percebi que estavas mudando quando não olhastes nos meus olhos aquela vez, para falar que alguém da Índia te visitava diariamente, ao som de bandolins. Eu procurei não compreender o que falavas, estranhei, e deixei passar batido.

Mas de repente desenvolvestes tais imaginações, de maneira tão esquizofrênica, quase uma "piada" entre amigos. E um dia encerrastes o assunto.

Tu, tão pequena, pele limpa e morena, com fisionomia daquelas indianas e olhar de criança, mesmo quando fizestes vinte anos, parecias ter quinze.

Te fechavas para o mundo, quando te trancavas naquele quarto ao som de Pearl Jam e The Doors. E eram esses gostos parecidos que nos faziam ser tão amigas, tão unha e carne, querida Lori.

Fazíamos poesias juntas, as mais simbolistas possíveis, porque gostávamos de "Poe" e coisas de Corvo. Tu riscavas todas as tuas mesas, todas as tuas paredes, e eu escrevia poesia nelas, e nós fazíamos poesias desconexas, e nos realizávamos. Lembra quando criamos a poesia do Desvario na aula chata do professor de Química? Tu foste a amiga mais interessante que eu tive e tão parecida comigo. Apesar de pertenceres ao Fogo e eu à Terra. Mas os elementos uniam-se tão perfeitamente.

Saudade Lori, saudade. De quando não tínhamos nada para fazer, então nos encontrávamos para falar dos planos de cada uma. E ouvíamos Led Zeppelin , com a querida Mary, tão calmas e sem muita pressa para o mundo, naquela sala que só tinha um som Gradiente antigo e um sofá agradável. Tão sonhadoras, descobríamos muitas coisas juntas! Tudo era novidade e perfeito!

Porém, um belo dia, tua alma se perdeu por aí, e nem eu sabia mas quem tu eras. Teu olhar estava perdido, e tu só sorrias com o canto da boca.

Te perdi para a vida, para o álcool cretino e coisas mais. Te perdi para aqueles becos da Pedreira, aqueles amigos estranhos, te perdi para aquele "filhinho de papai" de mente vazia, e com muito dinheiro no bolso para gastar em vadiagem. Maldito rostinho bonito! Grrrrr!

Ah, Lori, te perdi. E os bandolins ressurgiram como nunca, estavas mais esquizofrênica.
Afastei-me de ti, porque tua energia estava carregada. Eu curti contigo, e muita vezes, mas tu te entregavas para os becos e para o poço. E a vida continuava sem pé nem cabeça.

Chorei um dia, de tanta angústia, por não te ter mais comigo, por te ver tão acabada, derrotada, e tão jovem. E tua família procurava ajuda, e eu não te ajudava, eu não sabia como ajudar. Porque não adiantava, eras de fogo, não te enxergavas. E ainda chamavas terríveis palavrões. Realmente interpretastes tão mal quando William Blake disse que “a estrada do excesso leva ao palácio da sabedoria”. Sua burra! Idiota.

Resolvi me afastar, até saber da última vez em que acabastes no hospital, com glicose na veia. Foste embora, para bem longe daqui, e de lá voltastes com novidades.

É por isso que lembro de ti toda vez que ouço falarem no Daime.
Lembras quando me ligastes com outra voz, dizendo que tinha me visto no jornal? E que sentias muita saudade de mim. Fui te fazer uma visita. E estavas com os cabelos lisos e longos, antes eram tão curtos. Te achei tão linda! De saia comprida e bem magra, mais linda que nunca!

E havias mudado. Falavas de coisas espirituais, que tinhas te encontrado com Deus. Eu me assustei pela segunda vez, havias virado crente?Porra Lori! Mas colocastes uma fita, cheia de cânticos, umas senhoras cantando. Tinhas entrado no Daime, e estavas devota. Eu abaixei a cabeça, fiquei um pouco triste. Por que teu olhar estava iluminado, mas alienado?

E usastes todos os argumentos possíveis para eu entrar contigo nessa tua nova onda, falastes do efeito do chá e coisas e tal, e fizestes eu experimenta batata e strogonoff com soja. Eu não queria saber disso, eu queria era aquela Lori que eu conheci um dia. E não essa Lori que se transformou em um ser que eu desconheço.

Bora ouvir Portishead? Eu sei que gostas, mas tu querias que eu me concentrasse naqueles cânticos. Perguntei da tua vida, conseguistes te formar sem repetir. Estavas atrás de trabalho, e também, já tinhas até um namorado.

Agora eu penso que, apesar de não te conhecer mais, e ter te perdido duas vezes na vida, prefiro que seja desse jeito. Entendo que almas quando se tornam fracas e desorientadas, precisam de algo que as leve para atingir objetivos. E fostes determinada e sábia, que só atingirias algo, se tivesse que ser assim.

Enfim...que saudade de ti!

3 comentários:

Lucas disse...

Caralho, eu te juro que eu engasguei lendo isso...

*(Foi do papo de sexta, né?)

Apesar de conhecer e gostar muito dela, tenho certeza que a tristeza que sinto ao lembrar dessas coisas não são nem metade daquilo que tu, Moara, sentes.

Eu me senti impotente, também, diante de todas essas circunstâncias. Não pude fazer nada, e não me achei no direito de fazer nada. Eu era apenas um intruso.

Ela tinha muito a oferecer. Talvez, o caminho que ela achou ser certo não fosse, de fato, tão apropriado assim. No final, todos saíram perdendo.

Ao menos, pelo jeito, ela parece estar focando, de novo, num rumo, e a gente tem que ficar feliz por isso...

Mesmo pelo pouco tempo que a gente se relacionou, ela me ensinou muita coisa. Das mais simples, dentro do nosso amor comum por música, a gostar de Doors e Pearl Jam. Mas também, me deu lições de carinho, desprendimento, e modo de ver a vida.

Gosto pra cacete dessa moleca.

Um beijo.

5 de maio de 2008 às 10:03
Carol Barata disse...

É...
A Moa já teve essa mesma conversa comigo. Eu bem imagino o que sentes. E é duro demais a gente ver o que os comuns chamariam de potencial nos demais numa pessoa assim iluminada e de alguma forma, pelo menos sob a nossa perspectiva, ver a pessoa "sumir"...
Sei lá, amiga. Pensa não na falta que ela te faz mas no elo fora do comum que vcs tem. Enfim...

Égua, a Loreninha tinha cara de indiana mesmo. Olhar hindu.

beijoca =o*

5 de maio de 2008 às 11:14
Vanessa disse...

Fiquei comovida mesmo sem saber absolutamente nada a respeito das pessoas envolvidas no texto.

17 de setembro de 2008 às 16:55

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