terça-feira, 20 de maio de 2008

O tal do caritó



Costumo ouvir de “tias” mais experientes (leia-se mais velhas) - sendo essas casadas, separadas, amigadas ou viúvas – que vou acabar no caritó. Nem sabia o que era isso, mas pela força do hábito repetia que estava lá, no tal do caritó. Até o dia em que surgiu o questionamento.


Oh, céus! Será caritó uma comunidade longínqua no sertão árido do Nordeste??? A tal palavra nem estava no dicionário e isso sinalizava que a coisa estava feia pro meu lado. Até que das profundezas do mar sem fim, tive a brilhante idéia (eureca!) de fazer o que sempre faço: jogar no google, meu bem.


Eis que me deparo com este deleite. Um texto datado de 1959, da extinta revista Cruzeiro – publicação a qual eu só ouvi falar – da escritora Rachel de Queiroz. O bacana mesmo de encontrar pérolas como essa é que a gente pode perceber que algumas coisas no mundo não mudam.


Em pleno século XXI, minhas tias continuam achando que estou no caritó porque tenho 25 anos e não casei ou sofrem com a incompreensão de pensar numa “menina tão inteligente e bem educada” que ainda não conseguiu “laçar um bom partido”.


Bem, Rachel, concordo com você. A gente hoje põe o pó na cara não só para ir à janela a procura (ou à espera) de um bom partido. A gente enche a cara de maquiagem porque fica mais bonita ou pelo menos pensa que fica. E porque além desse detalhe que inflama a alma das mulheres com o pecado capital preferido do capitalismo, a vaidade, nossa make up tem vitamina e filtro solar. Tá, meu bem?



Resumindo: ainda vale a máxima de que as meninas boas vão para o céu. E as más, as que têm gingado nas cadeiras e malícia na cabeça, vão para onde quiserem.
Aí vai o texto para quem quiser saber o que a modernosa Rachel de Queiroz tem a dizer sobre o caritó!


“E tira o pó, Vitalina,
Bota o pó, Vitalina,
Môça velha não sai mais do caritó”
(cantiga popular)

Vitalinas



Da Bahia para o Sul, pouca gente saberá o que é vitalina e o que é caritó. Caritó é a pequena prateleira no alto da parede, ou nicho nas casas de taipa, onde as mulheres escondem fora do alcance das crianças, o carretel de linha, o pente, o pedaço de fumo, o cachimbo. Vitalina, conforme a popularizou a cantiga, é a solteirona, a môça-velha que se enfeita - bota pó e tira pó - mas não encontra marido. E assim, a vitalina que ficou no caritó é como quem diz que ficou na prateleira, sem uso, esquecida, guardada intacta.
As cidades grandes já hoje quase desconhecem essa relíquia da civilização cristã, que é a solteirona, a donzela profissional. Porque, se hoje como sempre, continuam a exisitir as mulheres que não casam, elas agora vão para tôda a parte, menos para o caritó. Para as repartições e os escritórios e os balcões de loja, para as bancas de professôra, e até mesmo, Deus que me perdoe, para êsses amôres melancólicos e irregulares com um homem que tem outros compromissos, e que não lhes pode dar senão algumas poucas horas, de espaço a espaço, e assim mesmo fugitivas e escondidas.
De qualquer forma, elas já não se sentem nem são consideradas um refugo, uma excrescência, aquelas a quem ninguém quis e que não têm um lugar seu em parte nenhuma.
Pela província, contudo, é diferente. Na próvíncia os preconceitos ainda são poderosos, ainda mantêm presa a mulher que não tem homem de seu (o “homem de uso”, como se chama às vezes ao marido...) e assim, na província a instituição da titia ainda funciona com bastante esplendor. E o curioso é que raramente são as môças feias, as imprestáveis, as geniosas, que ficam no caritó. Às vezes elas são bonitas e prendadas, e até mesmo arranjadas, com alguma renda ou propriedade, e contudo o alusivo marido não apareceu. Talvez porque elas se revelaram menos agressivas, ou mais ineptas, ou menos ajudadas da família na caçada matrimonial?
* * *
Não sei o que dirá disso a moral tradicional, mas creio que, felizmente, a existência da vitalina, mesmo na província, já anda perto do fim. A instituição da “môça livre” ou da “mulher de carreira”, segundo os modelos da América e da Europa, já tão bem copiada no Rio e em São Paulo, é uma tentação muito grande. Qual a môça que tendo possibilidade de viver do seu emprêgo, no seu próprio apartamento, onde, se lhe falta o aconchego do marido, restam sempre os consolos da liberdade, qual a môça que escolherá viver de favor em casa do irmão, sob a tirania da cunhada?
Será um mal a substituir outro, dirão. Pois bem nenhum sairá dessa nova liberdade. A isso não respondo, que não sei: o que posso dizer é que será, de qualquer jeito, um mal muito menos melancólico.

racheldequeiroz






Para ler na íntegra, acesse: http://www.memoriaviva.com.br/ocruzeiro/19091959/190959_7.htm

6 comentários:

moara disse...

porra, que magnifico isso!!

eu vou acabar no caritó também!

aee ja ta sabendo mexer direitinho, que fofa.

amo-te.

20 de maio de 2008 às 13:50
moara disse...

faltou só o tagged. =pp

20 de maio de 2008 às 13:51
Lucas disse...

Firme!
Essas expressões barrocas eu "dô mó valor", hehe

Tira Vitalina, põe vitalina e nada: Caritó->JUSTIÇA COM AS PRÓPRIAS MÃOS !!

huahuahuahua.

Esse é o mal ao qual estamos fadados!

Nesse feriadão, vou é botar uma tanga, ou dar uma volta em alguma pipoca. Eu lá quero ir pro tal caritó ?! Saravá, irmão! Se minha tentativa frustrada, eu, no mínimo, vou ter uns retratos pra mostrar pra vocês, depois, huahuahua

Mereeaaaanda!

Beijo, Barata! =) Altas risadas por aqui, huhuhu

21 de maio de 2008 às 10:02
Lucas disse...

Tá chique esse blógue, hein?
Tem até submissão dos comentários a moderador... Eu, hein ?!

21 de maio de 2008 às 10:04
Carol Barata disse...

É que o nossa moderadora é meio Dominatrix! HahHAhahahahAh

21 de maio de 2008 às 12:09
moara disse...

eu to é me neurando com esse papo de moderar,
dá muiito trabalho.

21 de maio de 2008 às 13:46

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