segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Ângulos

Por Anna Carla

Eu paro e olho essa cidade. Do mesmo ângulo de sempre, procurando entender se, daqui do alto, eu consigo achar as minhas respostas escondidas nas janelas iluminadas de cada apartamento ou atrás das variadas propagandas de outdoor. Gosto bem mais da vista noturna. As estrelas costumam se confundir com as luzes da avenida e me dão a impressão de que tudo está em movimento, como se eu pudesse ver o mundo girar. Postes, holofotes e faróis parecem querer me dar algum sinal de que eles sabem o que acontece aqui, metros acima, na minha cama.

Fico diante do espelho e não reconheço os meus cabelos. Eles são a prova concreta de que muita coisa mudou. Me olho nos olhos e me estranho. Sinto medo de tanta novidade. Reflito a minha imagem, não a reconheço, mas gosto dela como se nossos santos tivessem batido.

Estranho a minha nova rotina. É boa, dá tempo de sobra pra fazer o que der na telha. Trabalho legal, grana boa para uma iniciante, uma independência idolatrada nas ideologias de outrora. Mas... E agora?! O que fazer com tanta liberdade?! Estranho o tempo que eu gasto sozinha em casa inventando diálogos imaginários e sinto a falta de uma correria que antes me parecia odiosa.

É difícil acompanhar a minha própria evolução, por isso me estranho. Tracei meus planos e fui culpada por mudá-los, sem arrependimentos. Mudei minha rotina profissional, minha vida amorosa e, consequentemente, minhas noites de festa. Ainda estranho tanta cerveja no meu copo. Essas pessoas novas me parecem velhas conhecidas, como se eu conhecesse a cidade inteira e soubesse que não existe mais ninguém pra conhecer, mesmo sabendo que deve haver. Ainda não me acostumei a dormir sem ter alguém pra desejar boa noite, mas não quero voltar a passar as minhas noites comendo pizza de caixa no sofá da sala.

Pela primeira vez, a cabeça parece não conseguir acompanhar o coração. “Mas como assim? Como esqueceste tão rápido?”, indaga a minha consciência, curiosa por sempre ter dito que este era o certo a se fazer e por ter estudado o quão difícil seria essa façanha. E eu me estranho ao não sentir saudades de coisas que me pareciam tão intensas e por sentir a falta de outras que eu não dava muita importância.

Então eu sinto novamente a brisa molhada que sai dessa sacada tocar meu rosto. Todos os carros que passam parecem saber exatamente aonde querem chegar. Somos antônimos. A cabeça continua a afirmar que este é o caminho certo e que tudo o que me fez chegar aqui valeu a pena. Mas o coração, esse bipolar esquizofrênico, às vezes aperta como um nó cego. E eu pergunto: “O que diabos ainda me resta fazer, afinal?”. E as luzes da cidade me sussurram: “Anda mais e pensa menos. Quem não sabe pra onde ir não deve se preocupar tanto em saber onde chegar”.

4 comentários:

moara disse...

eu postei logo teu texto, não resisti em deixar pra ler depois, eu me sinto do mesmo jeito como descreves: “Anda mais e pensa menos. Quem não sabe pra onde ir não deve se preocupar tanto em saber onde chegar”.

realmente foda.

18 de fevereiro de 2008 às 21:05
Carol Barata disse...

"E eu me estranho ao não sentir saudades de coisas que me pareciam tão intensas e por sentir a falta de outras que eu não dava muita importância."

...

Um dia desses me peguei conversando com uma amiga minha sobre algo bem parecido com esse sentimento, sobre até sentir falta de épocas/pessoas que hoje, sei avaliar que não me eram tão boas... e que ainda sim, me faziam uma falta absurda. Acho que isso é maturidade, ou sei lá o que... sei que sinto falta do absurdo em minha vida, das coisas um pouco fora do lugar. Não do que avalio agora como estando fora do lugar e sim, do inesperado, da surpresa, da não-simplificação.
ah, maldito tempo esse que passa, passa, e nos alimenta de querer sempre mais de formas diferentes...
adorei o texto.


=o**

19 de fevereiro de 2008 às 05:06
lora disse...

adorei, bil. tuas palavras são leves, parece que me confortam, mesmo sabendo que são nossos anseios e conversas diárias.
parabéns! demais o texto!

20 de fevereiro de 2008 às 11:26
ALFREDO disse...

Adorei o texto, bem leve e tratando de questões que eu jurava, serem só devaneios meus!
Será a tal maturidade?!? Ser maduro então é chato!
=]]

27 de fevereiro de 2008 às 09:54

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