quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Roupa colorida em alma preta e branca

Por Carol Barata

Gostava de ler um livro todo só num dia, de fumar um cigarro em jejum, de andar descalça, de lavar o cabelo todo dia, de roupa colorida. Na verdade, gostava da vida colorida que tinha há uns anos. Gostava de ouvir música alta de cantar mais alto ainda mesmo sem saber a letra direito. Gostava de passear de carro durante a chuva e odiava quando a chuva estragava o cabelo. Gostava de comer muito e disso, ainda gosta. Gostava de dormir até mais tarde, de nescau gelado, muito gelado, daquele de de dar dor nos dentes. Gostava de Carlton Red, de Malboro Light, do cigarro e da sua fumaça fétida e incômoda. Gostava de ser a última a sair das festas. Adorava a noite. Gostava de rock dos anos 80 e de lugares alternativos. Gostava de andar pela Braz de Aguiar à tarde, de ver as mangueiras exalando um cheiro singular depois da chuva. Gostava muito da sua casa, um apartamento com estrutura diferente a dos atuais, tinha um ar de anos 70, um quarto com banheira – não suntuosa, mas simples e velha. Gostava de comer caranguejo “toc-toc”, aquele que lambuza bastante e só é bom se for assim. Gostava de passear no shopping aos 14 anos. Mas disso já não gosta mais. Gostava de ser exagerada, de sentir tudo, de falar tudo, de achar que sabia de tudo.

Hoje?

Ah, hoje gosta de poucas coisas. Poucas pessoas. Até do que realmente gosta, quer largar. Talvez tenha aprendido que a vida só é realmente confortável aos que se acomodam. Viu que a quietude, a acomodação deixa os seres mais felizes ou simplesmente, quietos e parcialmente satisfeitos em seus cantos. E a quem planejava conquistar o mundo com letras, palavras e frases, a quem sorria por prazer e não por obrigação, sobrou pouco do que gostar. Sobrou muita apatia, muito descrédito, muita desilusão, muito pouco de si.

Sobrou saudade de andar a pé de madrugada, de ter para quem ligar num momento de angústia. Sobrou o que a vida deixa no seu percurso: saudade. Muito mais do que não teve, muito mais de quem não teve, do que já foi. Sobrou a sensação de sobra, de resto, de comida deixada no prato depois de uma farta refeição. Sobrou apenas o refrão da música preferida, apenas as capas dos cds que foram deixadas em idas e vindas. Sobrou o frasco do perfume favorito, apenas o frasco e a essência de que um dia ele esteve ali. Sobrou a vontade de ver filmes novos, de gostar de novos filmes, de ouvir música nova de gostar mais, de ver mais, de viver mais a arte. Sobrou aquela velha impressão que o talento pode ser apenas fraude. Sobraram muitas cartas, muitas fotos e muitas escritas de um tempo que não volta mais. E sobrou sem piedade o questionamento sobre o que seria diferente se em algum ponto do percurso isso ou aquilo tivesse sido feito de outra forma.

Sobrou gente para criticar, apontar o dedo, dizer como se deve fazer, comer, vestir, usar e desusar de si mesmo. Sobrou gente por todos os lados, sempre falando, julgando, falando, falando e quando enfim o silêncio chega, os gritos dentro de si são quase que ensurdecedores. Os gritos que vêm de dentro são tão fortes que imobilizam. Não te deixam alternativa senão não ouvi-los. E para quem sentia tudo, sentia até demais, sobrou angústia na procura daquela pessoa que pode ainda estar no meio dos gritos, aquela que gostava de ler um livro todo só num dia, de fumar um cigarro em jejum, de andar descalça. Aquela que tinha a alma colorida assim como as suas roupas.

2 comentários:

Juliana disse...

Nossa, eu gostava de tudo isso e ainda gosto de muitas das coisas citadas aí...

O bom é isso, adaptar à modernidade, evoluir em alguns pontos, bacana...

Gosto daqui, vocês são 10!!

6 de fevereiro de 2008 às 22:48
Sofia e a Caixa de Lenços disse...

Aiiiiiiii, quero nossas tardes nubladas e coloridas de volta na boa companhia do fernandinho da titia e da mamãe... Vamooooo?

7 de fevereiro de 2008 às 15:07

Postar um comentário

 

©2009ohvarios | by TNB