terça-feira, 1 de abril de 2008

Conto de um amor sem economia

Por Anna Carla Ribeiro*

Eles se encontraram na sala de reclamações de uma operadora de celular. Ele forçando a sua mais nova aquisição, os pés de galinha, através de expressões grosseiras. Ela aparentava ter bebido todas no dia anterior, ou no mínimo, estava com problemas de insônia. Depois das duas intermináveis horas de pura discussão é que os dois perceberam a presença um do outro.

Ela era só uma pré-adulta que chamava atenção pela altura e a silhueta fina, igual a dez milhões que ele já vira nas esquinas em que passava, pelo menos foi o que ele pensou nos primeiros momentos. Mas não, quando ela finalmente pareceu acordar e levantou os olhos, ele avistou algo inusitado. Aquelas sobrancelhas...

Ela, apesar da sonolência e mau humor, já admirava ele de longe. Sempre sentiu atração por homens um pouco mais velhos, quando tinham o cabelo na altura do ombro então...

De lá pra um cafezinho na padaria da esquina foi “num tapa”.

Ele era economista. Enchia a boca pra falar dos maiores problemas da economia do país, da gripe do frango, de políticas públicas e de Lula e Delúbio. Ela só sabia que Delúbio rimava com Danúbio, um rio que corta Budapeste (aprendeu através da sua última leitura, é sempre bom ler Chico Buarque...).

Ela estudava letras e fazia teatro. Falava de livros, cinema, música, yoga. Sabia recitar todos os poemas de Manuel Antônio Álvares de Azevedo, o seu preferido. Ele, coitado, só sabia que esse tal de Álvaro era meio tãn-tãn (pelo menos foi o que lhe contaram quando ainda estava no colégio).

Mais interessante impossível. A cada minuto os dois se impressionavam mais com tamanho entusiasmo. Os olhos brilhavam, as bocas tremiam, as covinhas do rosto faziam ginástica. Ah, aquelas sobrancelhas...

Começaram a namorar lá mesmo, na padaria capenga da esquina. Depois de um tempo, ele costumava dizer que aquele romance era o PIB da sua vida. Ela dizia que os dois juntos era de inspirar Quintana a fazer o melhor poema já escrito pela humanidade.

No dia do casamento, ela lhe deu de presente uma carta em prosa, ele retribuiu, dando a ela um planejamento de custos e benefícios para o financiamento da casa nova.

Era um câmbio de experiências mais interessante do que qualquer Vladmir Maiakowski. Através da divisão de renda deu pra fazer um pé de meia. Na cama, os seus corpos rimavam como versos brancos. Do tremendo esforço físico lucravam de prazer mais do que o Banco Internacional. E todos os dias aquela brasa fazia com que o mais meloso escrito de Shakespeare parecesse racional, era paixão com uma altíssima inflação.

Com o tempo, é claro, os cabelos grudados no box e as meias sujas em cima da cama fizeram com que algumas brigas aumentassem como os juros do país. Nada que um perdão vassalo não resolvesse. E mesmo nas dificuldades, eles nunca deixaram que aquele sentimento virasse déficit.

Ela sempre sussurrava no ouvido dele que aquele amor era mais belo do que todos os 8816 versos decassílabos de Camões. Ele costumava dizer que esse foi o melhor investimento já feito em vida.

Ah, aquelas sobrancelhas...

*Texto publicado em 19 de março de 2006.

2 comentários:

Carool Barata disse...

hahahahaha

sem economia na criatividade, hein, Anna?

;)

=o**

1 de abril de 2008 às 07:28
Evandro disse...

quando você ficar famosa, vou ter orgulho de dizer q sou seu amigo a muito tempo =), parabéns lorão tou adorando todos os seus textos e olha que geralmente não costumo ler nada que tenha mais do que 5 frases, mas como já disse sou seu fã e fico esperando o próximo, beijos, te amo =*

1 de abril de 2008 às 12:09

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