domingo, 6 de abril de 2008

TPM - Tremenda Psicopatia Medonha

Por Anna Carla Ribeiro

Hoje eu levantei com o braço esquerdo. Uma ótima maneira de começar o dia! Um clima de montanha e sonhos gostosos brutamente interrompidos pelo baque do meu corpo no chão. A única coisa que conseguiu se mover foi o braço esquerdo, num movimento de flexão, ótimo exercício para ser realizado às seis da manhã.

Tudo bem, tudo bem... Nem tudo o que começa mal acaba mal. Só porque eu sinto cólica, não quero falar com ninguém e pareço uma atropelada antes mesmo de ir trabalhar não significa que a vida seja uma verdadeira porcaria. Não mesmo! E as criancinhas da Etiópia? E os velhinhos da Malásia? E toda a população aidética da África? Eles sim têm do que reclamar!

E então vou tranquilamente ao trabalho. O estado de espírito brando permanece até eu descobrir que a merda do celular novinho que eu comprei desliga a todo o momento e isso faz com que o meu relógio sempre esteja atrasado. E eu, uma mera mula empacada metida a moderninha e fissurada pela era digital, entrego o meu horário a este pobre aparelho infeliz. E então eu fervo meu sangue em banho-maria e piso no acelerador como quem esmaga uma bagana de cigarro. É justamente nessa hora que a porra do tio do Corolla da minha frente resolve comprar a rua e pára no sinal verde. Na bendita hora que eu mudo de faixa, o corno velho broxa do Corsa resolve observar a bela paisagem de prédios pichados e anda de tal maneira que até um cachorro perneta consegue ultrapassá-lo.

Finalmente chego ao meu querido local de trabalho. É só fechar o carro, atravessar a rua e dar bom dia aos seguranças pra começar a praticar as minhas atividades. Mas... Pera lá! Como assim o carro não quer fechar? Como assim todas as vezes que eu travo esse carro idiota com o alarme ele fecha e abre sozinho? Como assim o carro não quer fechar nem na chave? Como assim, meu Deus? Depois de meia hora de tentativas frustradas e idéias interessantes como queimar o carro com álcool e fósforo só pra o mandar parar de ser viado, eu finalmente mando-o se foder e decido deixar ele aberto mesmo. E sendo um automóvel muito figura, é justamente nessa hora que ele resolve fechar.

Tudo bem, tudo bem... Só porque eu acordei caindo da cama, estou extremamente dolorida, meus ovários estão pulando de tanta emoção por estarem funcionando direito depois de três longos meses de ócio preguiçoso, odeio o mundo, cheguei atrasada no trabalho porque meu celular e o meu carro possuem vontades próprias e ainda peguei uma chuvinha filé até finalmente chegar à minha sala não significa que as coisas não possam melhorar. Não mesmo! Quem merece reclamar são os maranhenses desabrigados pelas enchentes!

O engraçado dos dias como este é que Murphy se diverte. Eu não tenho saco nem de ler histórias em quadrinhos e nem de ouvir piada, mas passo a manhã inteira escrevendo sobre nefrologia. Uma beleza! Descubro que precisarei fazer hora extra, minha barriga ronca e eu sou ainda mais insuportável com fome. Vou ao caixa eletrônico tirar um dinheirinho pra comprar qualquer coisa que seja considerada comestível e que evite a minha ‘monstrificação’. “Problemas na identificação no cartão”. Tentativa número dois. “Problemas na identificação no cartão”. Tentativa número 39. “Problemas na identificação no cartão”.

Respiro fundo, repito mil vezes o mantra de Dalai Lama: “Eu não vou chutar este caixa porque quem vai se foder é o meu pé”. Vou à minha agência, já que é aqui perto, saber o que diabos aconteceu se esse cartão é novinho e quase não sai da minha carteira. Alguns minutos depois, me deparo com um ambiente em construção, onde todos os aposentados da Região Metropolitana de Belém pretendem entrar no Guinness Book como a maior fila indiana já existente em toda a história mundial. Vão barrar o velório de Lênin, tenho certeza! Eles inspiram poeira enquanto suam debaixo do braço. Eu também. O mais legal é saber o resultado de mais de duas horas na fila: um número de telefone pra solicitar a segunda via do cartão de débito que terei que pagar porque, segundo a atendente, eu devo ter feito alguma coisa pra que a porcaria do cartão vagabundo desse banco escroto tenha se desmagnetizado. “Eu devo ter passado entre as suas pregas, querida”, penso rápido. Segundos depois me acho um monstro por construir frases deste tipo.

Volto ao trabalho, onde continuo fazendo as minhas missões. Preciso fazer uma matéria às 16h num hotel no centro da cidade. São 16h e eu me encontro na periferia. São 16h10 e eu já estou com a minha bolsa no ombro quando aparece um médico gentil para fazer um exame clínico, desses que a gente faz quando entra numa empresa. Eu tento me esquivar, mas não dá, sou a única funcionária que ainda não passei por este procedimento e, se eu for embora, isso vai dar bronca mais tarde. Tá, tudo bem. Vai, tira a pressão, tira o sangue, tira o meu tempo, que já nem tenho mais. O quê?! O que significa esses potinhos?! O senhor quer me dizer que eu terei que fazer as minhas necessidades fisiológicas mirando nessa circunferência de cinco centímetros até amanhã?! É piada? Que dia é hoje?! Prolongaram o primeiro de abril?!

Depois de um certo resmungo da minha parte, o simpático médico me solta essa: “Vai com fé, vais ficar craque na mira”. Anram, meu sonho sempre foi ser campeã mundial de mirar cu no potinho de exame de fezes!

Estou a caminho do hotel. Nervosa pelo atraso. Bocas nervosas que devoram uma barra inteira de chocolate. Chego lá, uma chatice. Essa mulher nem me olhou na hora da entrevista. Eu sento na última cadeira da última fila. Ninguém me vê aqui não?! Eu sou invisível por acaso? Vocês estão me ignorando? Isso tudo é de propósito pra me fazer chorar e ter crises existenciais, é isso?!

Livre, graças a Deus. Agora é só ir embora pra casa, me esconder na minha toca e nunca mais sair de lá. Mas... Eu me sinto tão inchada! Eu comi muito! A consciência pesa mais que a dor de cabeça. É melhor ir malhar... Não, hoje não! Hoje eu não parei! Não parei de comer, isso sim. Epa, quem é essa no espelho? Será a mulher melancia em seu maior estilo blonde blondor? Meu Deus, porque eu pareço um búfalo de calça jeans? Eu odeio a mulher melancia. E odeio os búfalos.

Um, dois, três. Um, dois, três. Eu até que gosto de fazer exercícios, mas odeio malhar a bunda. Odeio bundas. Não entendo porque elas são tão importantes. Mas já que estou aqui, faço esse esforço. Um, dois, três. Em cada “um” eu odeio a vida, em cada “dois” eu odeio o mundo, em cada “três” eu odeio todo o espaço sideral e quero explodir a cidade.

Volto pra casa com a consciência mais leve. Finalmente chegarei à minha toca e farei tudo o que sempre quis: nada. Jogarei-me na cama para não ver ninguém, não falar com ninguém, não ser ninguém. O melhor momento do dia! Eu sabia! Uma hora tudo iria ficar nos trinques. Um, dois, três. Três minutos se passaram, mas que puta dia tedioso! Que merda de vida sem graça... O ruim de não ter ninguém, não falar com ninguém e não ser ninguém é não ter porque, nem como, e muito menos pra quem reclamar. Implicar então, a minha especialidade, nem se fala... Quer saber do que mais?! Essa história de ficar coçando o saco me dá uma puta de uma ansiedade. E essa história de ficar ansiosa me dá uma puta de uma fome.

Mas eu não vou comer porque eu odeio a mulher melancia. Vou começar a seguir a minha meta do ano em que entrei na faculdade. Vou ler todas as notícias do jornal de cabo a rabo pra ser uma jornalista mais fodassa que o Zuenir Ventura. Um, dois, três. Três linhas da primeira matéria e... Que vontade de comer uma lasanha de frango! Porra pára de pensar besteira, garota! Concentra-te! Tá, as forças de segurança iraquianas libertaram 42 estudantes seqüestrados poucas horas antes por homens armados em Mossul e como é mesmo que se faz lasanha de frango?! Desisto de ser melhor que o Zuenir. A grande diferença entre nós dois é que eu leio as notícias do mundo pensando em lasanha de frango enquanto o Zuenir come lasanha de frango pensando nas notícias do mundo. Simples assim.

E só porque eu sou realmente uma piada, devoro o triplo de calorias que perdi na academia por conta de uma lasanha enóóórme de frango (com bacon e presunto). Mulher melancia em ação outra vez...

Mas... E os velhinhos do asilo?! E os sobreviventes do Iraque?! E os mutilados do Vietnã?! QUE VÃO TOMAR NO OLHO DO CUUUUUUUUUUUU, seus animais...

4 comentários:

Lucas disse...

"Epa, quem é essa no espelho? Será a mulher melancia em seu maior estilo blonde blondor? Meu Deus, porque eu pareço um búfalo de calça jeans? Eu odeio a mulher melancia. E odeio os búfalos".

Melhor nem comentar esse trecho...
Se tu és a mulher melancia, minha querida, a Preta Gil é a "mulher-elefanta-batoré-mor" !

Deixa de coisa, quié, caceta!

Agora, um dia escroto é um dia escroto...
E o meu vai ser amanhã! O pior dia do mês, é o quinto dia útil sem sobra de dúvidas...

Estou com 20 conto de crédito, hehehe

saravá.

6 de abril de 2008 às 19:15
moara disse...

fiquei imaginando cada cena, dá até um curta.
Muito cômico.

7 de abril de 2008 às 12:46
Carol Barata disse...

Realmente, dá um curta muito do seu bizarro... hahhahaha
Um típico dia de TPM, com certea, onde tudo e todos conspiram contra a maior virtude: a paciência.
Adorei o texto.

=o*

11 de abril de 2008 às 06:09
lora disse...

parece tanto com você falando das coisas em mesa de bar, fazendo pausas com os dedos juntos, perto da cabeça

hauahauhauahua


demais!

22 de abril de 2008 às 13:42

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