terça-feira, 22 de abril de 2008

Dia do Perdão: sobre a lenda urbana e entidades educacionais sem fins lucrativos.

Num dia de semana qualquer, provavelmente numa quarta-feira, já que esse dia da semana é sempre tão esquecível, recebo um e mail me avisando que chegou com meu nome, à minha casa, uma correspondência da minha "saudosa" faculdade. Parecia que eu estava vendo aquele envelopezinho em tamanho padrão com o logotipo da faculdade em marca d'água impresso naquele verde desprezível.


A notícia era simples e apesar de não ter lido de fato a carinhosa cartinha, de longe, eu sabia como começava e terminava. Talvez a carta pudesse ser usada como exemplo de aula de redação oficial ou coisa assim: a fonte Times New Roman (ou Arial) em tamanho 12, com espaçamento duplo e com 3 cm de margem esquerda e 2 cm de margem direita. Ah, e claro, provavelmente começava com "Cara Maria,".


unamaO intuito da instituição educacional sem fins lucrativos – nunca entendi porque uma faculdade privada utiliza esse termo, me soa como piada. Sem fins lucrativos. Dá vontade de rir – era me avisar sobre uma dívida pendente.


Mas calma aí. Pendente? Como assim? Já não bastavam as infinitas negociações a cada seis meses (matrículas, rematrículas, confirmações de matrículas e etc, etc, etc) e eu ainda não estou quite com a tal instituição? Ah, continuo sem entender o tal "sem fins lucrativos". Mas me abstenho de compreensão e visto a carapuça do Shakespeare: "Há mais coisas entre o céu e a Terra do que sonha nossa vã filosofia".


Mesmo achando que a literatura inglesa aplaca grande parte das minhas dúvidas, fiquei com cara de interrogação até entender de onde vinha a tal dívida: biblioteca! Sim, aquele lugarzinho cheio de estudantes, de livros, de filas, de barulho em véspera de prova. Eu devo a biblioteca da universidade há, hum... deixe-me fazer os cálculos.Cerca de 7 anos! Podem rir, eu deixo.


Há exatamente sete anos atrás, a Alessandra, uma amiga minha que havia ingressado um ano antes no curso de Comunicação Social pediu a carteirinha da biblioteca emprestada para pegar um livro específico do curso. E claro, como toda boa universitária-cabeça-de-vento esqueceu de devolver no dia (ou no mês) que deveria. Resultado: uma multa de R$25,00 no meu nome.


Minha amiga não é caloteira, não. Eu que sou! Decidimos resolver o problema trocando dívidas. Ela assumiria a parcela de uma saia jeans que eu comprei no cartão dela e em troca eu pagaria a biblioteca. Tudo resolvido, não é? Claro que não. Eu,como toda boa brasileira-universitária-cabeça-de-vento, resolvi ouvir o Marth.


O Marth é um ser que mede 2,02 m, publicitário, meu amigo desde os tempos do pré-vestibular. Foi responsável pelo meu primeiro estágio no ramo de comunicação. Trabalhávamos juntos. Metade do tempo fumávamos (ele sempre filando meus cigarros) e a outra metade planejando como dominar o mundo da publicidade com as nossas campanhas super geniais, os roteiros dele super inovadores e as idéias que nunca foram aproveitadas. Nem por nós, nem pela agência. Talvez (muito talvez, gente) seja por isso que estágio não durou mais de 3 meses.


Quem o conhece sabe que falo de uma figura bizarra, que tem uma visão de mundo bem ampla – essa foi a melhor analogia que encontrei para não chama-lo de "idiota" ou dizer "Pára de viajar, doido. Tu só falas besteira" como eu fazia há alguns anos. Digamos que o Marth tinha uma imaginação beeeem ilimitada.


Nessa época do estágio, costumávamos pegar ônibus juntos para ir à universidade e foi numa dessas conversas banais que eu caí no conto ou lenda urbana, como preferir, do Dia do Perdão.


Bem, que há o Dia do Perdão no calendário judaico, eu sei. São 25 h de reza braba e jejum. Mas eu teria que fazer isso para que a instituição sem fins lucrativos "perdoasse" meus míseros R$25,00? Segundo o Marth, a biblioteca institucionalizou o Dia do Perdão para que as dívidas de devolução do material didático fossem absolvidas. Havia um porém: esse dia não tinha uma data certa, nem um mês pontual. Era preciso que você fosse lá perguntar todos os dias se era o Dia do Perdão.


Assim como todo ser em perfeito juízo, nunca acreditei cem por cento no que o Marth falava. Mas poxa, aquela mentira era tão legal. Passei a acreditar. Não no meu amigo, mas na mentira e fui além. Espalhei por toda universidade, mais as três turmas que fiz parte nos cinco anos de faculdade, sobre a possível existência do Dia do Perdão.


Nunca tive coragem de perguntar no balcão se realmente havia o tal Dia do Perdão. Mas chegou a um ponto que quando eu começava a falar sobre o assunto, alguém pulava e dizia "Ah, pode crer. Eu já ouvi falar sobre o Dia do Perdão".


Hoje, 22 de abril de 2008, eu ainda devo R$25,00. O Marth continua sendo absurdo: a última notícia dele que soube é que insiste na carreira de cineasta e foi fazer a exibição de um filme numa aldeia indígena. Chegando lá, o ser de 2,02 m escolheu um desenho animado da Disney (Madagascar) para passar aos índios que não conseguiriam ler as legendas. Até aí, tudo bem plausível.


O ponto "Marth" da história foi que ele chegou lá e liberou a distribuição de coca-cola e pipoca para os caciques e curumins. Se você por acaso andar pelo interior do Pará e ver um índio trocando qualquer artefato artesanal por uma garrafa de 2,5 l de coca-cola, pode ter certeza. É obra do Marth.


Para mim, restou a lembrança de tempos deliciosos de faculdade, das coisas absurdas que meu amigo falava. Mas o mais gostoso de tudo foi ficar com aquela risadinha debochada ao pensar que a tal instituição educacional sem fins lucrativos parece mulher casada que levou chifre do marido com a melhor amiga: não perdoa, nem esquece. Jamaaaaais!

11 comentários:

moara disse...

quando abri o meu e-mail com o seu "testiculo" fiquei toda derretida!hahahah!

Primeiro me assustei com esse papo de dívida depois cai na gargalhada!

só tu mesmo!

amoooor!

22 de abril de 2008 às 18:34
Anna Carla disse...

Égua! Eu devo 40 conto na biblioteca da Unama!

Mas, é claro, também devo esperar uns 7 anos pra quitar essa dívida! Hehehe...

Adorei o texto! Eu sempre com uma identificação absurda com o que escreves!

Beijos, ohvariana!

22 de abril de 2008 às 20:05
lora disse...

N tens noção que voltei aos cigarros na escada da unama/ restos lá da frente lendo isso. Lembrei de mil histórias de dívidas na biblioteca. Um clááááássico!

Acho que tinhas que mandar pro Marth esse texto

23 de abril de 2008 às 05:49
Carol Barata disse...

Acabei de mandar! Espero que esse e mail que eu tenho dele ainda esteja valendo!


:)

23 de abril de 2008 às 07:40
Carol Barata disse...

Poxa...
Voltou o e mail... :(

"This is an automatically generated Delivery Status Notification

Delivery to the following recipient failed permanently:

marthuchoa@gmail.com"





POR ONDE ANDARÁ MARTH UCHÔA?????

23 de abril de 2008 às 07:43
Lucas disse...

Isso me fez lembrar de uma história antiga, mas que ilustra muito bem as muquiranices da "instituição-verde-chuchu-sem-fins lucrativos"...

Certa vez, no seu quarto ano da faculdade de psicologia, com filhos pequenos e separada, o orçamento apertou, minha mãe foi pedir uma bolsa parcial (leia-se "descontinho") ao Mr. Franco, que por sinal, havia sido colega de turma do meu avô.

Parece que a boa ação daquele senhor já havia se exaurido ao atender minha genitora. Ele, diante do pedido, se virou e disse: "minha filha, a Sra. pede desconto na sua conta de água? Pede desconto na sua conta de luz? Então ... ?"

Sem comentários...

O ganho com o Dia do Perdão e a história do Marth ficou louco !

Bacana o texto, Barata!
Me fez lembrar um monte de situações e de um monte de figuras (não tão bizarras assim) dos meus tempos de Federal. =)

24 de abril de 2008 às 06:17
Marth disse...

Hahahaha... Carol, eu não lembrava mais desse fato... quanta repercussão!!!
A Unama é sim sem fins lucrativos, mas é pra eu e pra vc... pra eles é que muda a história...
Ei, os índios que não falavam português e tinham crianças de umbigo saliente estavam com sede... tinham que tomar alguma coisa (foi meu momento Cacá Diégues)...
Beijunda...

21 de maio de 2008 às 14:54
brenda disse...

isso e muito xato

13 de março de 2009 às 11:19
doda disse...

brenda eu nao axei xato so vc que acho ta! sua sua...

13 de março de 2009 às 11:22
gi disse...

oi tb com vcs

13 de março de 2009 às 11:24
moara disse...

Engraçado é que os três comentários foram feitos pela mesma pessoa provavelmente. Ou somente do mesmo computador. Mais engraçado ainda é que não dá para distinguir se é uma piada (de mau gosto) ou apenas uma expressão desnorteada sobre o texto (?)

14 de março de 2009 às 22:17

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